terça-feira, 16 de setembro de 2008

Lula, Chaves e a crise na Bolívia


Não há dúvida. Evo Morales é vítima de uma tentativa de golpe que pode se transformar numa guerra civil se a América Latina virar as costas. Mais do que isso: se o Brasil e o Presidente Lula virarem as costas.
O índio Morales consolidou sua posição como liderança legítima e democrática da Bolívia no plebiscito revogatório realizado em agosto de 2008. A oposição dos departamentos do leste do país não engoliu. Trata-se de uma oposição raivosa, racista e rancorosa para a qual o adjetivo fascista não é simples jargão da esquerda. Inconformados os opositores lançaram uma ofensiva desestabilizadora contra o governo Evo.
Representante da minúscula mas poderosa elite econômica da Bolívia, a oposição que controla diversos departamentos do leste do país ameaça rasgar a nação mergulhando-a numa luta fratricida.
Existem fortes indícios, além da força da tradição, de que os desafetos locais de Morales contam com apoio moral e financeiro dos Estados Unidos. Autoridades bolivianas constataram o vínculo e o presidente expulsou o embaixador americano, Philip Goldberg.
Hugo Chaves da Venezuela está com Evo e não abre; também exigiu que o embaixador americano deixasse Caracas. Se existe ingerência americana nos assuntos bolivianos de um lado, a solidariedade bolivarista impõe que se ajude o outro lado também. Esse é o problema.
Embora correto no mérito, a forma de ação de Chaves tende a contribuir com o crescimento das divergências e não com o contrário. Nesse momento e por isso, o Presidente Lula me parece a peça mais importante do jogo diplomático. Cabe a Lula conter os excessos do colega venezuelano mantendo a essência de sua pregação. Nesse caso será preciso dizer sim: yankees, go home!, mas da maneira equilibrada que vem caracterizando a atuação do presidente brasileiro.
A eqüidistância e a capacidade de interlocução do Brasil com os mais temperamentais envolvidos na questão fazem de Lula um aliado indispensável a Evo Morales e ao restabelecimento da paz na Bolívia. Talvez o único com credenciais para intermediar uma negociação entre Governo e oposição e assim conter a escalada da guerra civil.
As relações diplomáticas na América Latina têm hoje dois grandes protagonistas: Chaves e Lula. Ao contrário dos que apostam numa disputa entre ambos pela hegemonia, sou da opinião de que agem em conjunto, como o tira malvado e o tira bonzinho dos filmes policiais americanos. O malvado ameaça e o bonzinho extrai a confissão.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Erick Prince e a Blackwater


O pequeno Prince e a Blackwater: barbarização do exército bárbaro



Na gestão Bush o neo-liberalismo passou do limite que um estado pode suportar sendo ainda um estado. Privatizou-se a guerra. Mais de 170 empresas de soldados mercenários oferecem serviços atualmente no Iraque


Guardem esse nome: Erick Prince. Ainda ouviremos falar muito dele. Trata-se DO homem da Blackwater e ainda ouviremos falar muito dela também.
Esse rico, branco e cristão americano, acreditando que a iniciativa privada é sempre muito mais competente que o estado e sabendo que seu estado pensa da mesma forma constituiu um empresa privada de guerra, a Blackwater. Claro que ela não se auto denomina empresa de guerra, mas sim de segurança, da mesma forma que nenhum país possui ministérios do ataque e sim da defesa.
Ligada umbilicalmente ao movimento teocom - uma aliança católico-evangélica ultraconservadora – a Blackwater, segundo Prince, é como a espada de Jeremias, que reconstruiu o templo de Israel com a arma em uma das mãos e a colher de pedreiro na outra.
Trata-se de uma empresa que fornece treinamento e equipamento usados para invadir, ocupar, dissuadir e controlar com a eficiência que só os mecanismos de gestão podem oferecer. A empresa, com seu vasto portifólio, oferta também equipes já treinadas e equipadas para a ação. Seus integrantes são recrutados na América latina, Sudeste Asiático, África ou em qualquer outra parte.
Ocorre, porém, que o governo Bush, amigo do clã e entusiata dos valores de Prince, passou a fazer uso imodesto dos referidos préstimos. Esse era mesmo o propósito do Secretário de Defesa Donald Rumsfeld: desburocratizar o uso da força e, para isso, Bin laden deu sua grande contribuição em 2001.
No começo, agentes de segurança eram treinados nas instalações da Blackwater. Logo, corpos policiais também. Não tardou pra que militares seguissem o mesmo rumo. Finalmente, firmou-se um contrato entre a empresa e o General Services Administration em que diversos serviços e produtos estavam pré-aprovados pelo governo para serem consumidos pelas agências federais. Depois do 11 de Setembro, Prince só precisou contar os dividendos.
No Iraque, por exemplo, é a Blackwater quem cuida da proteção de todas as "autoridades da reconstrução". Prince gaba-se de cumprir a tarefa para a qual foi contratado com absoluta competência, nenhuma autoridade sob sua proteção sofreu baixa, zero killed, ok. O mesmo não pode ser afirmado sobre civis iraquianos, mas isso é uma contingência para o cumprimento do contrato. Qual autoridade americana no Iraque se queixará disso?
É por essa razão que as barbaridades cometidas pelos funcionários da Blackwater ficam por isso mesmo. Servidores privados trabalhando para os Estados Unidos no Iraque gozam de imunidade prevista na chamada Ordem 17. Nem à Côrte Marcial eles são levados, já que os militares têm seus próprios problemas, não sobrando esforços para dispender com investigações e julgamentos de gente que nem pertence à corporação.
Por falar em barbaridades, aprendia-se na escola que um dos fatores para o declínio do Império Romano, além do esgotamento do Modo de Produção Escravista foi a barbarização do exército. Guerreiros de diversas tribos deixaram de combater pela glória da cidade eterna e passaram a fazê-lo apenas em troca de soldo. Fizeram por Roma enquanto Roma pôde pagar.
Diz alguma teoria que um estado para existir precisa possuir ao menos os monopólios da violência, da lei e do tributo. Mesmo com as recentes intervenções no setor imobiliário, o estado americano míngua e o crescimento da Blackwater mostra que suas últimas escoras começam a ser roídas.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

ESCRAVIDÃO: seqüestro, cárcere, tortura, degradação, deportação, negócio


TRÊS MILHÕES E MEIO DE INDIVÍDUOS. Esse é o número aproximado mais insuspeito utilizado pelos historiadores para quantificar a população de africanos deslocada forçadamente para o Brasil durante a vigência do regime de escravidão. Trata-se de um fluxo médio de mais de cem mil pessoas por ano desde o início do tráfico na regência de Dona Catarina, avó do famoso D. Sebastião, até a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel em 1888. Não há, na História, registro de fenômeno social com as mesmas características e a mesma dimensão.
Não restam dúvidas quanto à antigüidade do que se chama escravidão, a bíblia não cansa de documentar a instituição e impérios grandiosos surgiram e desapareceram alicerçados no trabalho escravo. O que causa mais espécie, porém, é que quando teve início a escravidão no Brasil, esse flagelo, há séculos, já havia desaparecido na Europa.

PRIMEIRAS ANOMALIAS DO CAPITALISMO

Seguindo a lógica dos Modos de Produção utilizada por Marx para compreender e explicar a História européia, o Escravismo sucedeu as formas tradicionais primitivas de produzir, tornando-se o primeiro dos modos organizados de produção; com o passar do tempo e independentemente dos prodígios realizados dentro desse modo, suas contradições afloraram dando origem ao Feudalismo, que, por sua vez, após dez séculos de resultados, também foi superado por um novo modo de produção nascido de suas entranhas: o Capitalismo.
Exatamente quando a Europa estava começando a operar dentro do cânon capitalista a escravização de homens e mulheres africanos foi apresentada como atividade moderna, necessária, digna e absolutamente rentável. Como pôde ser? O próprio Marx tratou do assunto como espécie de anomalia dentro do capitalismo, estudiosos mais focados aqui do Brasil, como Jacob Gorender, devido à longevidade e proficuidade da anomalia, preferiram considerá-la um modo de produção singular. De qualquer forma, parece haver consenso no fato de que a gênese da aberração era a transformação de pessoas em produto mercadoria e de altíssimo valor agregado.
Na fase inicial ou comercial do Capitalismo, o que importava era pegar um produto de um lado e levá-lo para outro vendendo-o por um preço maior do que aquele que foi pago. Para que isso funcionasse bem, as coroas européias entenderam que era bastante conveniente sair pelo mundo em busca de lugares que pudessem oferecer produtos prontos a baixos preços para ali fincar suas garras, era o colonialismo moderno nascendo. Recém descoberto, o Brasil não chegou a empolgar os capitalistas da época, justamente porque não se encontrava por aqui muita coisa pronta para ser comercializada e nem metais preciosos como na América espanhola, pelo menos não ainda. A idéia da lavoura canavieira, embora fosse boa, já que o produto tinha grande aceitação e as condições da terra favoreciam, trazia um grande inconveniente: quem se disporia a desbravar, administrar, plantar, esperar e colher para que os comerciantes finalmente pudessem vender?
Foi no cerne de impasses como esse da colonização brasileira que surgiu uma nova e nefasta oportunidade de negócio para o capitalismo mundial nascente. Para minimizar o custo da produção, já que ela não era o empreendimento mais rentável da época, nada melhor do que o trabalho compulsório. Desse modo, além de se estruturar uma grande unidade de produção de açúcar, criava-se instantânea e simultaneamente uma tremenda demanda para os capitalistas mais atualizados que quisessem fornecer o produto do momento: mão-de-obra compulsória do negro africano.

FAÇAM O QUE EU DIGO...

O negócio do tráfico foi dominado pelos portugueses até meados do século XVII, quando então os holandeses tiveram sua vez; mas durante o século XVIII, foram os ingleses os senhores dos grilhões. Cidades como Londres e Liverpool dominavam juntas mais da metade do comércio negreiro europeu nos últimos anos do Século das Luzes. Se durante o século XIX foi grande a pressão britânica pelo fim do tráfico, é bom lembrar que seu interesse no assunto data de bem antes, mas com propósitos inversos. Eduardo VI, que governou a Inglaterra entre 1547 e 1553, autorizou o comércio de africanos e, durante o reinado da grande rainha Elizabeth, a atividade realmente teve início. Em 1562 o nobre John Hawkins aprisionou 300 indivíduos em Serra Leoa e os vendeu na República Dominicana. Cabe lembrar, por mais irônico que pareça, que além de tudo, essa incursão de Hawkins pela África era também um ato explícito de pirataria, já que os portugueses detinham oficialmente, ou religiosamente, o monopólio do comércio na África. De qualquer forma esse não chegou a ser um feito de pirataria comparável a outros que a Inglaterra protagonizou e nem Hawkins chegou aos pés de seu primo, Francis Drake, em assuntos piratistas.

LAVO MINHAS MÃOS

Ao contrário da Inglaterra, a Espanha foi grande respeitadora do monopólio português no que diz respeito aos africanos e praticamente não se envolveu com esse negócio alheio e escuso. Mas para manter sua integridade com respeito aos acordos internacionais e, ao mesmo tempo, não prejudicar o urgente e necessário abastecimento de escravos para a extração de minérios em suas colônias, a coroa espanhola desenvolveu um novo conceito em “slavebusiness“: o “asiento“. Se o comércio de qualquer outro produto com as colônias hispânicas era monopólio real, abria-se exceção para o produto gente. Nesse caso o governo terceirizava a atividade e empreendedores estrangeiros podiam, assim, ganhar o seu suado pão. Claro que a coroa cobrava por isso alguma módica quantia e foi graças a essas singelas contribuições que puderam ser erguidas singelas construções como os palácios reais de Madrid e Toledo.

AS ARMAS, E OS CIFRÕES ASSINALADOS...

Portugal, contudo, foi quem inaugurou e explorou mais institucionalmente a atividade de deslocar forçadamente gigantescos contingentes de pessoas para o trabalho compulsório em colônias. Primeiro para a Ilha da Madeira, depois Porto Santo, Açores, Cabo Verde e então para as colônias espanholas da América e Brasil. Para isso foram constituídas empresas de comércio como a Companhia de Lagos criada pelo mesmo célebre idealizador da Escola de Sagres, o Infante D. Henrique, herói das navegações. Também foram edificadas fortalezas e castelos que funcionaram como entrepostos comerciais para o embarque de africanos para as colônias. Os castelos de Arguim, São Jorge da Mina e São Paulo de Luanda são apenas alguns exemplos desses lugares macabros. Antes de chegarem ali, entretanto, os prisioneiros, na sua maior parte, percorriam um longo caminho que começava nos pumbos, feiras de escambo que ocorriam nas regiões interioranas da África. Os pumbos eram freqüentados pelos próprios africanos para as trocas de excedentes e também para negócios com prisioneiros de guerra escravizados. Praticamente inacessíveis aos traficantes brancos, os mercados eram visitados pelos pombeiros, agentes locais também escravizados que atuavam a serviço das companhias de comércio para o arremate das “peças“.
Além da Companhia de Lagos, outras tantas foram formadas com os mesmos objetivos fundamentais, algumas bastante conhecidas na História do Brasil Colonial, é caso da Companhia das Índias Ocidentais, da Companhia Geral do Comércio do Brasil, a do Estado do Maranhão e das duas criadas pelo Marquês de Pombal: a do Grão Pará e Maranhão e a de Pernambuco e Paraíba.

MUSSURONGO OU MANGUANGUARA?

Embora existam registros da presença de africanos no Brasil desde os tempos de Pero Capico, que provavelmente tenha sido capitão donatário entre 1516 e 1532, e Martim Afonso de Souza, fundador de São Vicente, de acordo com o historiador Maurício Goulart, autor de “Escravidão africana no Brasil: das origens à extinção do tráfico“, a partir de 1570 existiam entre dois e três mil escravos na colônia. Em 1590 eram em torno de dez mil. No século XVII, o Brasil recebe um fluxo de mais de quinhentos mil; cerca de um milhão e setecentos mil no século seguinte e mais um milhão e trezentos e cinqüenta mil até a metade do século XIX.
Considerar porém que recebemos durante o período da escravidão mais de três milhões e meio de africanos como um contingente homogêneo é contribuir com uma visão simplificadora e redutora da dimensão desse verdadeiro crime contra a humanidade, na medida em que, sob o rótulo de “africanos“, escamoteiam-se culturas, religiões, idiomas, estruturas sociais, idiossincrasias, sonhos, anseios e mais uma porção de outros atributos humanos. Mesmo a divisão consagrada pela historiografia em dois grandes grupos - o dos sudaneses, vindos do litoral norte africano; e o dos bantos, oriundos de sob a linha do Equador - não resolve satisfatoriamente a questão.
Para que possamos compreender minimamente o significado do período da escravidão, seu estrago, seu impacto na história da África e suas verdadeiras influências na formação do homem brasileiro será preciso reconhecer como indivíduos e agentes históricos: Jalofos, Mandingas, Yorubas ou Minas, Felupos, Fulas, Sectários de Maomet, Balantos, Biafadas, Papeis, Manjacos, Nalus, Bahusns, Ba-Congos, Djaggas, Cabindas, Mussurongos, Eschicongos, Jagas, Ban-Galas, Bambas, Hollos, Ambaquitas, Ma-Quiocos, Guissamas, Libollos, Ba-Nanos, Ba-Buenos, Bailundos, Bihenos, Mondombes, Ambruellas, Guimbandeses, Banhanecas, Ba-Ncumbis, Macuás, Manimdis, Manguanguaras, Nyanjas ou Manganjas, Mavias, Muzinhos, Moraves, Ajaus, Ba-Cancalas, Bacubaes, Ba-Corocas, Ba-Cuandos, Ba-Cassequeres, Basutos, Bechanas, Núbios...

O ESPÍRITO CIENTÍFICO DO SÉC XIX


Talvez o primeiro pesquisador a reconhecer e apontar as diferenças entre um africano de origem banto da África Centro-Ocidental e um nagô ou iorubá vindo da África Central, tenha sido Francis de Castelnau. Na primeira metade do século XIX o naturalista, que nasceu em Londres em 1810, chefiou uma expedição pela América do Sul e, em 1848, foi cônsul da França no Brasil. Na Bahia entrevistou escravos africanos e acabou publicando em Paris o resultado de suas pesquisas. Recentemente a editora José Olympio publicou no Brasil as tais “Entrevistas com Escravos Africanos na Bahia Oitocentista”.
O pequeno volume de Castelnau é um documento importante para a historiográfica do negro no Brasil, na medida em que dá voz aos próprios indivíduos e compõe fragmentos de suas biografias. Por outro lado, o mesmo documento é um testemunho loquaz do espaço que o negro africano ocupa no imaginário europeu, não apenas no que diz respeito ao homem comum, mas especialmente à comunidade científica.
Por mais incrível que possa parecer, a motivação de Castelnau para suas entrevistas na Bahia foi o levantamento, junto aos negros locais, de informações sobre a precisa localização na África dos Niam-Niams, uma suposta tribo de homens pretos que possuíam rabos. Ainda que para o próprio cientista tal existência colocasse em xeque alguns dos paradigmas da ciência da época, o empenho existiu e foi recompensado com relatos preciosos e confirmatórios da absurda teratologia. Manuel ou Mahammah em haussá, um dos entrevistados, por exemplo, assim se refere aos Niam-Niams: “(...) e poucos dias depois, percebemos um bando dos selvagens niam-niams.” Castelnau continua a narrativa “Eles dormiam ao sol; os haussás aproximaram-se sem fazer barulho e os massacraram até o último; todos eles tinham caudas de quase quarenta centímetros de comprimento e que podiam ter de dois a três centímetros de diâmetro; este órgão é liso (...).
A hipótese de trabalho do cientista, vale reforçar, data do século XIX, mais de trezentos anos após o contato regular da Europa com a África, e não da época das grandes navegações quando ainda se temia os ciclopes e a grande correnteza que arrastaria para o abismo os navios que chegassem à linha do horizonte.
Desnecessário dizer que, a despeito dos “indícios“, a ciência natural européia não chegou a se comprometer mais metodicamente com o esclarecimento do mistério.

domingo, 27 de julho de 2008

CONFLITOS MUNDIAIS: Por quem os sinos dobram?


MAIS DE 25 MILHÕES DE PESSOAS PERAMBULAM HOJE DE UM LADO PARA OUTRO DO PLANETA EM BUSCA DE REFÚGIO. A GRANDE MAIORIA FOGE DE GUERRAS.

Artigo publicado na Revista Caros Amigos em Setembro de 2008, Edição 138.

Israel simula operações militares de invasão do Irã; o Irã realiza testes com mísseis que podem atingir Israel e posições americanas na região; aumenta o preço do petróleo; os EUA reforçam seu apoio aos aliados e robustecem seu projeto de escudo anti-mísseis na Europa, o que torna os russos mais irritadiços. O crescimento da tensão faz com que analistas calculem em 50% as chances de uma guerra contra o Irã durante esse ano em que Bush ainda é senhor dos senhores das armas.
Cenários como esse costumam interessar bastante aos grandes mascates de notícias, pois o que vem na seqüência quase sempre é um espetáculo de horrores com bombardeios ao vivo, correspondentes próximos ao campo de batalha e depoimentos emocionantes daqueles que ficaram presos no aeroporto antes de poder voltar seguros para suas casas. Quando o assunto está saturado e a “notícia-commodity“ em baixa cotação, especula-se com outro tema. Mas os desdobramentos e conseqüências, independentemente das suas proporções continuam repercutindo por anos e anos sem que a grande mídia faça caso.
Exemplo disso é a informação do 2007 Global Trends publicado pelo ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Assuntos de Refugiados) segundo a qual apenas na Síria e na Jordânia vivem hoje pelo menos 2 milhões de refugiados de guerra iraquianos. A rigor talvez o ACNUR não os considere tecnicamente como refugiados de guerra, mas quem sabe algo como desterrados result of the volatile situation in Iraq, dá no mesmo. Cada vez que se decide pelo conflito armado em qualquer lugar, inicia-se um drama humano de conseqüências, essas sim, globalizadas.
Calcula-se que existam hoje mais de 25 milhões de pessoas buscando refúgio em outros países em conseqüência de guerras, conflitos internos, perseguições políticas e fome entre outros flagelos.
Só a invasão norte-americana do Afeganistão, que nem chegou a ser tão polêmica quanto a do Iraque em função de sua irrefletida legitimidade face aos atentados de 11 de setembro, provocou a peregrinação de de mais de 3 milhões de homens, mulheres e crianças afegãos que, na sua maioria, foram encontrar abrigo no visinho Paquistão. O conflito interno no Sudão entre muçulmanos do norte e cristãos do sul fez com que 523 mil sudaneses deixassem o país em busca da reconstrução de suas vidas. Um número próximo, 457 mil, é o de somalis que fugiram das lutas religiosas de sua terra natal.
Aqui, mais proximamente, a dispeito da discussão sobre a narco-contaminação do projeto das FARCs e a postura entreguista e intransigente do governo Álvaro Uribe, o dado concreto, como diria o presidente Lula, é que a Colômbia ocupa o terceiro lugar no mundo como país exportador de refugiados: 552 mil. E, quando se fala em deslocamento interno de população, nossos compadres são atualmente os campeões mundiais com mais de 3 milhões.
Estima-se que no Brasil vivam ilegalmente hoje mais de 100.000 colombianos, que vieram em conseqüência da guerra civil que enfrentam em seu país. Almoçamos, negociamos, amamos, odiamos e temos filhos também com alguém dos, no mínimo 140 mil libaneses; 50 mil palestinos e, entre 30 e 70 mil angolanos que optaram por lidar aqui com seus dramas e traumas de guerra.
Guerra e Paz, portanto, são temas dos quais ninguém pode se dizer alheio, seja onde for. Sendo assim, independente do que a grande mídia destaca, sempre que qualquer um estiver declarando guerra, devemos nos preocupar, nos posicionar e nos fazer ouvir.
Lembro-me do impacto da descoberta quando vi o filme “Por quem os sinos dobram?“, baseado no livro de Hernest Hemingwey. A história, sobre a Guerra Civil Espanhola, começava falando da tradição de se tocar o sino nas pequenas cidades espanholas sempre que alguém morria. Quando dobravam os sinos, era inevitável a pergunta: por quem os sinos dobram? Acho que a resposta era mais ou menos assim: sempre que morre alguém, morre parte da humanidade, morre um pouco de todo mundo. Então, não me pergunte por quem os sinos dobram, eles dobram sempre por ti.

segunda-feira, 17 de março de 2008

FARCs de dois gumes

Quero crer que os principais envolvidos e egrégios diplomatas têm tudo isso que eu vou dizer em conta, mas, por via das dúvidas, não custa externar.
Não acredito que as FARCs pensem mesmo na possibilidade de tomar o poder na Colômbia para, então, finalmente implantar o seu projeto; nem acho que exista mais de fato um projeto e esse é um dos problemas. Escondida no passado distante a quimera de uma sociedade mais justa, a guerrilha – como aconteceu em El Salvador ou Nicarágua – tornou-se um modo de vida para muitos colombianos. Quando digo modo de vida, quero dizer que muita gente que ali se encontra, não está por convicção política ou por ideologia, mas sim porque é onde têm seus laços afetivos, suas memórias, seu reconhecimento social, sua ilusão de segurança e seu prato de comida. São homens e mulheres; crianças, jovens e velhos vagando sem perspectiva pelas selvas e fazendo a única coisa que sabem fazer: combater.
Só consigo vislumbrar dois caminhos para a paz: um deles é a busca do entendimento mínimo associado a um processo cuidadoso de reintegração social, como é necessário fazer depois de uma guerra. O entendimento mínimo pressupõe reconhecer que boa parte das demandas que originaram as FARCs eram e continuam sendo legítimas e a reintegração necessita, além de políticas públicas, sincera disposição para a reconciliação nacional. O outro caminho é a guerra de extermínio, que exige menos inteligência e humanidade além ser mais rentável para quem lucra com as mazelas do mundo.
Nesse segundo caminho estão o presidente Álvaro Uribe, os EUA, a Revista Veja e a maior fatia da classe média brasileira, por exemplo.
Só não estou muito certo sobre qual o real significado e o real valor da paz para quem, por interesse, ignorância ou preguiça trilha esse caminho.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Persépolis – Antiga capital do Império Persa

Veja Persépolis. Trata-se de uma animação que narra a trajetória da iraniana Marjane Satrapi desde a infância durante a ditadura do Xá Reza Pahlev, até o exílio após a devastação moral e estrutural provocada pela Revolução Islâmica e pela guerra Irã x Iraque.
Assistir ao filme é uma experiência de muitas sensações. Antes de tudo é um presente para os olhos; aquilo que parece um desenho animado simples como os do pica-pau, vai aos poucos se transformando em vida real, em poesia, em ciranda, em magia. É simplesmente encantador. Uma história bruta contada com delicadeza e maturidade é outra raridade que Persépolis oferece; percebi que minha mulher derrubava suas lágrimas, mas um pouco de sorriso não lhe abandonava o perfil. Por fim, a animação dirigida por Vincent Paronnaud e pela própria Marjane Satrapi permite refletir sobre os muçulmanos normais, ou seja a grande maioria deles que, assim como a grande maioria dos católicos não realiza a auto-flagelação, também não praticam o Jihad e tampouco tem tanto apreço pelo véu e pela palavra do profeta.
Deixemos para as minorias radicais de cada lado as acusações apaixonadas. Felizmente a relação das maiorias com a sua religião é mais ou menos vagabunda em todos os cantos.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Chaves tem lá os seus problemas

Não tenho dúvidas quanto ao histrionismo e a boa dose de fanfarronice latina do camarada Hugo Chaves. Acho, inclusive que o caminho adotado por ele e para a Venezuela é sim um caminho de risco. Como de resto sempre foram todos os caminhos trilhados pelos países latinoamericanos, mesmo aqueles ditos seguros, vide o do Consenso de Washington a partir dos anos noventa. O de Chaves pelo menos não é tão estreito, permite que os miseráveis aos menos tentem caminhar também; além disso parace também um pouco mais digno. Mas gostaria de chamar a atenção para o significado e para a seriedade dos últimos acontecimentos internacionais envolvendo Colômbia, Equador e Venezuela. Talvez porque fale sempre e as vezes demais, Hugo Chaves não esteja conseguindo comunicar convincentemente suas preocupações que são absolutamente legítimas e que deveriam mobilizar toda a América Latina: a Colômbia é mesmo um fantoche dos EUA.
Não me atrevo a defender as FARCs em seus meios, porém a satanização do movimento; a recusa colombiana em buscar um entendimento; e a cristalização de um senso comum, segundo o qual, os "narcoguerrilheiros" devem mesmo ser exterminados estão servindo para fazer da Colômbia uma cabeça-de-ponte na América Latina para o poder militar norteamericano. A recente invasão do Equador pelos militares colombianos para matar Raul Reyes demonstra o grau de interatividade entre Colômbia e EUA, quer seja pela postura prepotente, pelos princípios (ou falta deles) demonstrados, ou pelos recursos e tecnologia empregados na ação.
O governo Álvaro Uribe embora eleito democraticamente pelo povo da Colômbia, não tem o direito de comprometer a segurança e a soberania do continente sob a desculpa de que lida com o terrorismo interno, nesse caso, novamente está certo Hugo Chaves, as FARCs são também problema nosso e não precisamos de uma Israel na América Latina. Não sei se Chaves já chegou a dizer essa última frase, em todo caso estou certo de que não discordaria de mim.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

CARTA A FIDEL


Caro Comandante,

Nas duas vezes em que estivemos juntos, uma na Vila Eulália num encontro da AELAC e outra em La Cabaña, por ocasião da bienal do livro, não tivemos a oportunidade de conversar como eu gostaria. E olha que eu gostaria. Aliás se tua saúde e teus afazeres permitirem, eis aí um projeto que ainda me arrebataria. Foram poucas as personalidades de qualquer área sobre as quais alimentei por tanto tempo o desejo de sentar junto, tomar uns tragos e ouvir histórias. As razões para isso são diversas.
Como muitos companheiros, eu também já vi no socialismo a solução para a maior parte dos problemas humanos e confesso que quando pensava sobre isso, o que me vinha à cabeça era o socialismo que você, o Chê e o povo cubano tinham inventado. Essa talvez seja a primeira razão.
A fé no ser humano e na possibilidade de construir consciente e conjuntamente uma sociedade razoável para se viver foi o que me levou ao socialismo, mas foi também o que me levou às histórias de Alexandre, Gengis Khan, Carlos Magno e daí para as de Dom Quixote e Capitão Nemo. Histórias vividas e inventadas de sujeitos que realmente não tiveram medo do julgamento que a história faria deles. Nesse caso, tua vida me lembra as deles e essa é outra razão.
Com o passar do tempo, acho que fui perdendo um pouco daquela fé no melhoramento humano. Na medida que o caráter do homem ia se me revelando mais vagabundo, o socialismo também ia ficando menos íntegro e menos garboso. Nunca desertei, mas perdi logo o ímpeto de ir nas primeiras filas. Você permaneceu com sua crença ou teimosia sob uma saraivada de balas vindas de todos os lados. Você tem que ter suas razões para isso e suas credenciais me fazem curioso demais de conhecê-las. Aí está mais um motivo.
Hoje em dia quase não encontro mais o ser humano por quem já achei que tanta coisa valia a pena. Mas quando encontro, acho tudo de novo. O mundo me parece estranho, girando automática e indiferentemente como se um homem nunca mais fosse capaz de fazer diferença. Já não sei se a história é arma carregada ou relíquia de parede. Enquanto eu apenas ia sentindo as pequenas marolas que a História fazia chegar até mim, você com seu peso, de um lado ao outro no convés alterava a trajetória. E por isso, te perguntar: "– O que foi o século XX, Fidel?" – seria a principal razão.
Lembranças ao povo cubano e cuide de sua saúde.

Hasta la vitoria siempre.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Cartões Corporativos

Fico espantado com a disposição da média relativamente intelectualizada e de seus gurus da imprensa para infantilizar qualquer debate que poderia receber um tratamento maduro e produtivo. É o caso da mais recente polêmica nacional: a dos cartões corporativos. Não quero contribuir com o palavrório que acaba por roubar qualquer sentido de tudo aquilo que tenta explicar e, por isso, vou apenas resgatar algumas assertivas preliminares que me parecem úteis a quem realmente quer manter os pés no mundo real e, quem sabe, trabalhar pela sua melhoria.
1. Se não houvesse potencial de corrupção no ser humano e consequentemente no administrador público, não seriam necessários leis, organização e controle. Isso quer dizer que quanto melhores as leis, a organização e o controle, menores as possibilidades da pulsão de corrupção aflorar. Esse regra independe da religião, cor, classe social, partido político, ou nível intelectual do agente público, dependeria sim da sua moralidade e quem sabe das palmadas que levou dos pais quando iniciaram suas primeiras reações anti-sociais. Mas é arriscado demais confiar nisso.
2. Os cartões corporativos são um tremendo avanço no que diz respeito ao controle, já que o sujeito passa o cartão alí na choperia e o gasto aparece no Portal da Transparência para que todo mundo possa ver.
3. As CPIs são comissões de investigação e não forças tarefas que cercarão a casa do assessor do minstro para levá-lo à cadeia por que usou o cartão corporativo para enviar flores à amante. Nesse caso, se a mesma energia utilizada para uma CPI fosse utilizada para a elaboração de um manual de utilização ética do cartão e para efetivar a implicação de culpados, o país certamente ganharia muito mais, pois um instrumento que já está funcionando, funcionaria melhor. Não esqueçamos que todo o debate só é possível porque a CGU mantem o seu portal.
4. A imprensa, que contribui no início dando visibilidade aos dados da CGU, não contribui mais quando se torna obsessiva em querer saber se a tapioca era doce ou salgada. Já não faz mais diferença, é claro que havia irregularidades no uso e é claro que os culpados precisam ser punidos, mais importante agora, porém, é envolver a sociedade civil na criação de mecanismos melhores de controle e é nisso que uma imprensa cidadã, não espetacular e não mesquinha deveria se empenhar.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Você estudou em escola pública?


Tenho uma sugestão que poderia contribuir para a melhoria dos resultados apresentados pelas escolas públicas do país. Não me refiro apenas ao péssimo desempenho pedagógico, mas também ao seu fracasso como espaço de sociabilidade e convívio saudável de crianças e jovens.
Não se trata de política pública, mas certamente poderia ser potencializada por uma. Assim como hoje é tão comum a existência de associações de ex-alunos de escolas superiores renomadas e colégios particulares tradicionais, proponho a difusão também de associações dos egressos de escolas públicas.
Os objetivos principais das associações seriam: o fortalecimento da identidade da escola através da preservação da sua história; o incentivo ao sentimento de pertencimento a uma comunidade por parte do aluno; o estímulo à apropriação da escola e de sua realidade pela comunidade local e a sinergia real na solução de problemas ou dificuldades.
Estou falando basicamente de encontros de ex-alunos; de uma agenda de festas comunitárias; de palestras com profissionais que foram alunos; estou falando, enfim de adultos que amaram sua escola e que hoje são capazes de doar um pouco do seu tempo, de sua inteligência e até dos seus recursos para preservar a instituição que ajudou a construir (e vice-versa) e, quem sabe, melhorá-la para os que estão e virão.
Isso tudo é muito simples, basta começar. Quem sabe não seja uma maneira, inclusive, de dar real utilidade a ferramentas como o Orkut, por exemplo.
Preciso apenas alertar para o fato de que não se trata simplesmente de mais um clamor ao espírito de voluntariado das tantas pessoas ditas de bem, estou falando de coisa muito diferente.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Proponho um novo imposto

Pode parecer sandice no momento em que vivemos, no país em que estamos e com a carga tributária que carregamos, vir a público propor um novo imposto, mas é exatamente isso que estou querendo. Esclareço, antes de ser acusado de estatista e retrógrado, que trata-se de uma idéia baseada no mais pura tradição liberal.
Sugiro um imposto de alíquotas vigorosas aplicado sobre heranças acima de determinados valores com destinação obrigatória ao subsídio do Ensino Fundamental. É claro que precisa ser melhor pensado, mas o imposto, ou tributo, como preferirem os especialistas, teria uma função redutora das desigualdades sociais sem que pudesse ser taxado de assistencialista, confiscatório ou socializante.
Partindo do princípio de que competência e capacidade individuais são valores caros ao liberalismo, a transmissão desonerada do patrimônio adiquirido com o suor e a labuta de um empreendedor ao seu herdeiro desprovido do mesmo talento atenta contra os fundamentos liberais tornando-se apelo indefensável à tradição e ao patrimonialismo, exemplo, portanto, de conservadorismo puro simples.
Sei que a questão do imposto sobre herança é, há muito, polêmica – basta lembrar das mobilizações da TFP – mas quando se cria uma destinação obrigatória do recurso à educação fundamental, o problema parece ganhar os seus reais contornos, ficando evidente sua justiça e correção.
Posso defender melhor a idéia em qualquer plenário.