sábado, 17 de outubro de 2009

10 prescrições da medicina contemporânea

Sempre fui contra doenças, assim como sou contra a morte de pessoas legais, contra terremotos, ciclones e tissunames. Acho que tudo isso atenta contra a grandiosidade e a dignidade da espécie humana. Protestarei até o fim contra esse tipo de barbárie.
As doenças, contudo, parecem-me hoje o mais sombrio dos flagelos. Isso porque cheguei a ter esperanças de que nossa inteligência fosse realmente capaz de aplacá-las. Nutria uma ingênua admiração pelos doutores que em minha fantasia, com seus trajes brancos e estetoscópios pendentes, perdiam noites e noites tentando decifrar as sórdidas armas com que as moléstias insidiosas nos acometiam cada vez que praticávamos aquilo que é mais humano em nós: os excessos, os vícios e a auto-destruição necessária ao viver.
Infelizmente constato que o nosso alvo exército rendeu-se ou foi cooptado. Após o longo percurso desde Hipócrates, as 10 principais prescrições da classe médica são hoje:

1) jamais fique doente, especialmente se não puder pagar o convênio ou se for conveniado;

2) se ficar, pare imediatamente com o cigarro, a bebida, os carbo-hidratos e faça exercícios leves. Caso seja particular, guarde um tempo para você.

3) não é possível saber exatamente qual é a sua doença, mas trata-se de uma doença idiopática;

4) seja qual for, a probabilidade de ela te matar é de 50%;

5) tome esse remédio desse parceiro e vamos repetir o exame nesse laboratório;

6) sempre há risco, mas é melhor operar;

7) sem o meu anestesista e o meu instrumentador é provável que você morra na cirurgia;

8) o plano não cobre, mas eu divido em três cheques;

9) quando eu não sou o plantonista do hospital, o plantonista costuma preferir que você morra.

10) o que era possível fazer foi feito, agora está nas mãos de Deus.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Rio 2016

Não vejo como não comemorar a escolha do Rio como sede das Olimpíadas de 2016. Faz bem para a auto-estima brasileira; ajuda na cura do nosso complexo de vira-latas; ambienta o esporte mundial num cenário de encantos mil; desafia nossa capacidade de fazer bem feito e trás perspectivas reais de dividendos.
Creio, porém, que o melhor de tudo isso seja o estímulo para que pensemos nos incontáveis problemas do Rio de Janeiro de uma maneira diferente da que já se tornou costume: não se trata agora de simplesmente constatar, lastimar e comentar a gravidade da violência e das distorções sociais da cidade. Será preciso encontrar e praticar soluções. E será necessário fazer isso tudo até 2016.
Ainda que de forma mais ou menos colonizada, o fato é que temos prazo para executar a tarefa, nem que seja tão somente porque o mundo inteiro vai cobrar isso de nós. Uma nação segura certamente não esperaria esse estímulo externo, mas sejamos auto-indulgentes com isso.
Penso que na puberdade de suas tensões políticas e, consequentemente, eleitorais, a classe dirigente do país tenha perdido - se é que chegou a ter - a capacidade de planejamento para além de seus mandatos. E penso também que, fora do contexto revolucionário, sem planejamento de médio e longo prazo, não há solução.
Sendo assim, me anima imaginar que os gestores públicos tenham que atuar agora, obrigatoriamente, de acordo com uma agenda que não seja exclusivamente a dos seus próprios compromissos políticos. Mudem ou não os quadros e os partidos dos governos federal, estadual e municipal, existe uma contingência clara e maior: tornar o Rio de Janeiro uma cidade capaz de recepcionar os Jogos Olímpicos em 2016.
Lembro, então, ainda que essa coisa de superação de limites físicos não chegue a me fascinar, que os conflitos entre as cidades-estado gregas eram suspensos por ocasião das Olimpíadas e tornava-se crime sem limites, por exemplo, danificar as oliveiras da cidade inimiga. Talvez o exemplo valha como metáfora para as rivalidades políticas do Brasil de 2009 a 2016.
Toda essa argumentação, contudo, arrisca ser falaciosa se o empenho pelos Jogos Olímpicos do Rio restringir-se a medidas cosméticas, temporárias e enganosas. Mas se isso aontecer, a culpa será nossa.