sexta-feira, 21 de maio de 2010

O Livro das Trapaças Profissionais


Esses dias tive outra idéia para outro livro. Como provavelmente não vou escrever esse também, resolvi divulgar o mote para que alguém mais empreendedor o faça. Vou gostar se encontrar o livro em alguma livraria. É claro que vou lamentar também minha própria falta de expediente. Além disso vou fantasiar sobre o êxito obtido pelo autor e sobre minha anônima responsabilidade em projeto de tão grande sucesso. Talvez veja reforçada assim a tremenda conspiração arquitetada pelo universo apenas para o meu fracasso. Na verdade vou é odiar ver mais um dos meus planos brilhantes gerando incontáveis dividendos a pessoas menos inspiradas do que eu. Divulgo mesmo assim. Pelo menos angario cúmplices para, quando chegar o infortúnio, me consolar com alguém dizendo: "mas você não registrou a idéia? Não dá para processar?".
O livro que faria seria assim: entrevisto profissionais de diversas áreas, do pedreiro ao engenheiro renomado; da auxiliar de enfermagem ao cirurgião experimentado; do estagiário ao dono do escritório de advocacia; do foca ao editor chefe; do bedel ao diretor; do cozinheiro ao chef e assim por diante. Garanto absoluta confidencialidade. Pergunto a cada um deles sobre os truques e trapaças da profissão para ganhar mais do que o merecido e para trabalhar menos do que o necessário. Convido meu parceiro - no sentido do Velho Oeste, não no atual -,  Jo Feveriero, para ilustrar as situações. Confecciono então o Primeiro Guia Ilustrado da Picaretagem Profissional.
Meu propósito com isso não é obviamente o de iniciar neófitos profissionais nas vantagens delinquentes da sua profissão. Aliás, tenho absoluta certeza de que não será necessário o livro para isso. Poucos dias de trabalho são já suficientes para descortinar esse mundo sedutor ao mais ingênuo dos trabalhadores. Aos sedentos de saber desse tipo, a transmissão de conhecimento se dá pelo simples contato.
Minha intenção, ao contrário, é a de criar o verdadeiro Código de Defesa do Consumidor. Quem sabe a diferença entre o ruído do rolamento danificado e o de um prego no pneu atritando com o asfalto? Tudo bem, essa é fácil. Mas quem sabe se o azeite utilizado é mesmo extra-virgem? Ou que aquele catéter foi mesmo necessário à intervenção cirúrgica? Ou ainda que o ralo vai entupir de novo se a conexão não for trocada? Se soubéssemos de tudo isso resolveríamos os problemas sozinhos, sem recorrer aos profissionais. Muita gente, pelo medo das trapaças, tem tentado fazer isso, mas o desgaste acaba sendo maior.
Aos interessados no projeto, garanto que por conta da demanda, o Primeiro Guia Ilustrado da Picaretagem Profissional vai ser um sucesso de público e crítica. Se for feito em papel couchet, letras grandes para dar volume e com capa dura, dá para cobrar pelo menos 40% mais caro. Ilustrando com bancos de imagem e contratando estudantes de jornalismo para as entrevistas, é só dar um "tapinha" e em 45 dias sai da gráfica. Se tiver contato na produção da Ana Maria Braga então, pronto! Vive-se de direitos autorais, tornando-se celebridade em 50 dias. Uma boa agência de promoção pode achar divertido e útil mostrar "coerência" contando todo esse processo na apresentação da segunda edição. Vale a pena confiar, os caras manjam sobre o gosto do público.
Lembre-se, contudo, que essa idéia é minha. Eu pensei em tudo isso antes! Se você se apropriar dela ou vir o Guia na vitrine da Cultura, ou fará parte da nojenta conspiração, ou será testemunha da minha incompreendida genialidade.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Inocentes (in) úteis, por favor não encaminhem!


 

Algumas pessoas, como eu, ainda conseguem compreender a política como uma coisa séria e grave. Não digo que seja um jogo limpo ou honesto, não mesmo, mas entendo que gostemos ou não da forma como é praticada, a política traz consequências que impactam concretamente nossas vidas. Percebo, contudo, que para um grande contingente de pessoas as eleições, coligações, candidatos e discursos políticos não são diferentes dos casos extra-conjugais de celebridades, dos lances polêmicos do futebol e das piadas sem graça do dia a dia. Tudo serve para entreter e desviar os indivíduos da árdua e, impossível para alguns, tarefa de pensar autonomamente - como sempre deve ser o pensar - a respeito da responsabilidade de cada um sobre a própria vida e sobre a sociedade em que vivemos. Nesse sentido, quem não é inocente e nem parvo, no meu entender, deveria agir com o mínimo de atenção para com as questões políticas. Mais ainda para com o papel que desempenha em sua dinâmica ao se prestar a determinados serviços.
Digo tudo isso tendo em mente uma moda bastante em voga nesses tempos de internet e de eleições. Vira e mexe, chega à caixa postal um e-mail "encaminhado" contendo falas descontextualizadas; ironias preconceituosas ou mentiras deslavadas, quase sempre muito mal escritas, sobre algum candidato. Até aí, nenhum problema, a democracia pressupõe liberdade inclusive de má expressão e, suponho assim, de "encaminhamento" também. Minha questão surge quando verifico que o encaminhador é alguém que obviamente tem o meu e-mail e que, supostamente, goza de alguma das modalidades da minha simpatia, afinal não me chegam tais mensagens das Casas Bahia.
Impossível conter um certo desapontamento. Se o entusiasta da bobagem é um militante, posso até compreender que no afã de ajudar seu candidato compactue com esses métodos baixos e despolitizantes. Compreendo, mas me desaponto. Acontece que não acredito que as mensagens sejam encaminhadas por militantes convictos de sua baixeja. Nesse caso, apenas me desaponto. Questiono, automaticamente, ou a inteligência, ou a idoneidade daquele que tem meu endereço em sua lista. Às vezes questiono ambos e gostaria que meu nome não estivesse lá. Não é pelo conteúdo da mensagem que acabei lendo, mas pela constatação de que o sujeito é mais um dos que não entendem a complexidade da política, não entende que está prestando um desserviço e, pior, não entende que eu sou um dos que entende tudo isso. Burrice ou inocência que minha vaidade intelectual tende a não perdoar. Resultado: "bode" de alguém que eu nem conheço direito, ou às vezes conheço.
Peço, então, que você olhe se estou em sua lista cada vez que for encaminhar um desses e-mails políticos sobre o qual não pensou detidamente a respeito.
A divergência ideológica não me faz desprezar pessoas, mas sua pobreza de espírito sim. Não sou cristão.
Não que o meu desprezo signifique ou não signifique muito. Mas acho que outras pessoas mais significativas podem pensar de forma parecida.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Limpos e Malvados

Olhando os muros autorizados da cidade, as roupas de grife das pessoas, os comerciais de tv e as revistas das bancas de jornal noto que a sujeira e a descompostura adiquiriram valor estético. Vale dizer que o sujo, o mal enjambrado e o descomposto são hoje "bonitos". Desnecessário dizer que meu estranhamento está baseado em valores estéticos outros, de outro tempo também. Se reparo, comparo, nem que não saiba com o quê. Nesse caso sei, nem por isso valoro ou julgo, ainda que os adjetivos usados digam o contrário. São os meus limites de expressão.
Muita gente abomina essa nova estética. Muita gente acha estranho que alguém possa abominar aquilo que parece tão natural. Para esses, arcaica e abominável deve ser a referência do abominador.
Pois bem, mas não é desse dissenso que quero tratar. Posiciono-me no caso, porém, confessando meu razoável apreço pelo que hoje é: nunca gostei muito mesmo de pentear os cabelos, mas gosto do meu blazer de tweed. Sinto-me portanto, mais à vontade por poder praticar ambos sem causar tanto espanto. Essa licensa social é um mérito do presente.
Estou incomodado com outra questão. Desconfio que a "sujeira" estética desse tempo seja um truque. Um truque para disfarçar a sujeira natural e, portanto, inerente ao ser humano. Mais do que isso, uma tentativa de disciplinar aquilo que não pode ser disciplinado. Mais ainda, uma tentativa desesperada de fugir de nossa inclinação natural, também, ao sombrio, ao feio e ao sujo. Ao que nos vicia, degrada e mata. E ainda assim nos agrada.
Essa desconfiança vem do seguinte: com explicar que a mesma sociedade que vende kits de dreadlocks em cabeleireiros, piercings em botiques, grafites em galerias, batiks e roupas rasgadas em passarelas, e tatuagens em shopping centers seja tão severa com os carboidratos das comidas; com o asseio do corpo; com a queima de gordura nas academias, e com o veto ao tabaco em qualquer lugar?
O que percebo é um pânico quanto à sujeira que invade o corpo, associado a uma valorização da sujeira que ele pode produzir e/ou ostentar.
Afinal, somos naturalmente um pouco "sujos", ou não? Não me refiro aos nossos caráteres, desses não tenho dúvidas.
A idéia de transformar nossa pulsão de auto-destruição em arte pode parecer bem intencionada, mas será que é mesmo isso? Ou será mais uma ilusão que o dinheiro se proporá a realizar?
Venceremos, mesmo, nossa porção fascinada pela própria intoxicação, com um café sem cafeína e admirando a sujeira só pela vitrine?