domingo, 30 de outubro de 2011

A vantagem do homem que vem do futuro

Desde criança, ele ouvia que estava a frente do seu tempo. Seus pequenos prodígios encantavam os mais velhos e ele aprendeu a gostar disso; nem lembrava de apenas brincar. Quando era jovem passou a acreditar que a vida lhe seria mais fácil, então. Lidava, mesmo, muito melhor com as demandas de responsabilidade e postura que costumam atormentar os adolescentes e obteve destaque; nem se dava conta de que era seu tempo de revoltar e errar. Um pouco mais velho colheu um ou outro fruto com sua condição; venceu disputas, ganhou algum dinheiro e um pouco de fama; não cogitava as concessões que a vida adulta exige. Mas a vida foi passando e ele foi percebendo que, aquilo que chegou a parecer um super-poder, não trazia-lhe benefício algum naquilo que mais importava: ser amado por quem amava. Ao contrário, cobrava o que, sequer, estava pactuado; via problemas não enunciados; respondia perguntas que só seriam perguntadas depois; denunciava crimes ainda não cometidos; ofendia-se com aquilo que ninguém chegou a dizer; ia embora antes de ser realmente expulso; protegia-se do abandono quando ainda era querido. Compreendeu, assim, sua maldição.
Já adulto, solitário, confuso e inconformado com seu destino que era para ser brilhante, ele foi a uma cartomante:

O Mago quer dizer que, de alguma forma, você está a frente do seu tempo.

Ouço isso desde criança! Porque será que estou sozinho então? Não era para eu ter alguma vantagem!?

Vantagem? Que tipo de vantagem?

Sei lá!... Não era para... pelo menos... eu conseguir antecipar os passos dos demais?

"Antecipar os passos dos demais"?... Isso parece uma ideia bem limitada para quem vem do futuro, não? Só porque "você", vem do futuro, os "demais" "tem" que "te" levar em conta, mesmo que você não tenha criado vínculos com eles?

Nunca tinha pensado assim... mas...

O outro sempre terá o direito de ser ele mesmo, não importa quem, ou de que tempo, seja você. Mas, ainda assim.. de que futuro viria quem viesse do futuro?

Como assim?

"Você está a frente do seu tempo", confirma o Mago. Mas quanto? 10, 50 anos? Ou apenas 3 meses e cinco dias?

Como saber?

Senão você, ninguém mais. Então... não sei se é vantagem.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Comunhão Parcial de Bens

Já tinha passado muito tempo quando se encontraram de novo: anos, décadas, vidas inteiras, dias completos. Mas continuavam parecidos. Ambos tinham cicatrizes, filhos, hipotecas, tentativas frustradas e acompanhada solidão. Ambos tinham também contas a acertar um com o outro, mas nisso havia uma diferença: ele sabia e admitia, ela também sabia, mas achava que não. Foi ele quem a procurou numa rede social, deixou a primeira tímida mensagem, convidou-a para um café e falou primeiro: te chamei para esse café para te dizer que está na hora de nos separarmos.
Você continua um brincalhão! Não nos vemos desde que você apareceu com sua namoradinha cineasta na minha vernissagem. Afinal, não deu certo com ela? Muito jovem?
Deu certo sim, ainda estamos juntos e temos uma filha, como você e seu escritor velho demais. Mas não é disso que se trata. Estou falando de nós dois. Quero de volta o que é meu e está contigo.
Nina Simone? Aldo Bonadei? Em Busca do Tempo Perdido? Muitas vezes quis te enviar por Fedex, mas não sabia seu endereço.
Você também continua uma brincalhona! Não quero o que te deixei, quero o que você tomou de mim.
Você continua indecifrável! Está falando de amigos, lugares, valores, referências? Ora, isso eu não tomei, simplesmente tornou-se meu também.
Não, não, claro que não! Isso tornou-se seu, como tornou-se meu em algum momento igual. Falo do que era meu e só meu, mas você tomou de mim.
Vamos lá então! Estou disposta a te entregar de volta tudo que era teu e roubei sem me dar conta.
Está?
Estou. Desde que você não reivindique aquilo que, na verdade, acho que é meu por direito.
Você também continua indecifrável! Tá bem... será que você é capaz de me devolver a possibilidade de amar alguém como eu nunca deixei de amar você?
Você continua um pragmático escroto! Nos vemos no tribunal!
Casa comigo de novo, então.
Claro que não. Você é louco? Nos vemos no tribunal! Está aqui a minha parte da conta!
Espera... espera... Ladra maldita!... Devolva o que é meu!... Casa... comigo...outra...vez... então...

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terça-feira, 25 de outubro de 2011

Quando não dá para voltar

De tanto arrependimento, o sujeito enlouqueceu e acabou tornando-se um andarilho. Sendo assim, ganhou outra sanidade e virou sábio também. Sentiu na pele a natureza e seus elementos. Compreendeu que a ciência, o pensamento e a lógica são parte e não o todo. Reconheceu a diferença entre o que precisa e o que deseja. Percebeu seu verdadeiro tamanho diante das grandes coisas. Misturou-se com a paisagem e não sabia mais o que era ele e o que era o mundo. Só do arrependimento não aprendia como se livrar.
Numa noite fria, deitado com sua garrafa de conhaque na beira de uma estrada, evocando sabe-se lá que poderes, conseguiu voltar ao momento em que agiu errado. Pensava simplesmente reparar o erro e, assim, corrigir a trajetória. Mas, quando retrocedeu no tempo, foi consigo mesmo que se deparou, justamente no momento em que o eu antigo estava prestes a cometer o erro. Ambos se reconheceram.
Não, não faça isso, pense melhor.
Já pensei. É isso o que eu tenho que fazer.
Isso vai tornar sua vida um inferno.
Essa tristeza é o inferno.
Não é.
É.
Vai ser pior.
Não pode.
Eu sei o que digo.
Você não pode saber mais do que eu.
Posso, porque eu sou você depois disso.
Mas eu sou você antes de você ser.
Então aprenda com quem você está prestes a se tornar.
Só posso aprender com você se você for e você só será se eu fizer o que tenho que fazer agora. Logo, se não fizer, você não existirá e essa conversa será apenas um balanço de consequências comigo mesmo.
É verdade. Só posso, então, mesmo, lamentar minhas certezas de outrora. E agradecer a você minha parca existência.

domingo, 16 de outubro de 2011

Sobre a Solidão

Uma bela, conhecida e talentosa atriz de cinema, que quando mais jovem era repórter de uma extinta revista cultural francesa, foi certa vez incumbida de fazer uma matéria sobre a solidão. Na época eu mesmo havia obtido grande sucesso com meu segundo livro Lonely orgasm - with or without someone. Concordei em recebê-la para uma entrevista. Ainda vivia na Flórida e apenas ensaiava minha ruptura com o mundo acadêmico e com as rodas intelectuais.
Quando chegou, não me pareceu francesa, nem tampouco americana, diria que era latina. Soube logo que era um pouco dos três: pais franceses, noivo brasileiro e os últimos anos em San Franciso. Sua beleza, contudo, como se sabe, era clássica e universal.
Convidei-a para a varanda e logo Dolores serviu-nos dois daiquiris. Dolores sempre decidia o que servir com base no brilho do meu olhar e em função da luminosidade do dia... ou da noite. Jamais se enganava.
Teria ela vinte, vinte poucos anos e foi meu saudoso mastif, Gandolf, quem descobriu isso primeiro roubando logo seus afagos e revelendo suas meninices. Mas tinha já esse porte de mulher total, suficiente para o que se imaginar. Aliás, recentemente algum crítico tentou dizer algo parecido com isso por ocasião do Oscar de atriz coadjuvante que ela não recebeu.
Quando começou a falar, notei um leve tremor nos seus lábios que imaginei insegurança, depois percebi que não era. Na verdade percebi que era a insegurança dos meus próprios olhos titubeantes querendo fixar-se nos lábios dela.
Disse que já havia entrevistado um condenado à pena de morte; um presidente latinoamericano, uma viúva desconhecida; um monge do Tibet, um balonista canadense, uma poeta chinesa e um físico nuclear do Leste Europeu. Sempre com a pergunta: o que é a solidão? Segundo me disse, eu era o último e o único de quem esperava abordagem mais técnica.
Quis saber um pouco sobre o que disseram ous outros. A síntese de sua saga pela resposta foi: saber que a morte está tão perto e não ter com quem compartilhar o desespero; não ter em quem confiar; saber que ele nunca mais entrará por essa porta; condição necessária para saber de si; o silêncio do mundo; perder todos os medos, e nada que as nossas certezas não façam suportar.
Ao narrar-me o que ouviu, não o fez da forma resumida como apresento aqui. Ao contrário, anoiteceu e nos embreagamos enquanto ela descrevia as circunstâncias, os históricos e as sabedorias de cada um dos seus entrevistados respectivamente. Também rimos, trocamos impressões, quase confidências, tocamos as mãos um do outro e quase dançamos também. Pouco falei até então sobre solidão, ao menos me parece assim.
Completamente fascindo com a conversa, com a brisa da noite e com ela toda, preenchi, sem querer, uma rara pausa de silêncio, perguntando se nunca lhe ocorreu entrevistar um apaixonado antes de falar comigo.
"Como assim um apaixonado?"
"Sim, um apaixonado. É que talvez não haja quem saiba mais de solidão do que um apaixonado antes do primeiro beijo".