Há três anos, em 1 de setembro de 2004 na cidade russa de Beslan, membros da unidade Rijadus-Salichin de rebeldes separatistas da auto-proclamada República Tchetchena tomaram de assalto a Escola N-1 e mantiveram reféns cerca de 1.200 civis. Depois de três dias de cerco, tropas russas invadiram a escola e o saldo foi de 344 mortos incluindo 186 crianças. Com transmissão via satélite, o episódio provocou consternação pelo mundo inteiro. Dentre as principais reivindicações do grupo estava a retirada das tropas russas do território tchetcheno, o que equivalia, na prática, ao reconhecimento definitivo da perda desse território pelo governo de Moscou.
Do ponto de vista tchetcheno tratava-se, na disputa política,de tentar forçar uma negociação com o intransigente governo de Wladimir Putin que castiga a população rebelde com ataques e incursões militares, além de patrocinar assassinatos de lideranças e simpatizantes da causa. Na visão do Kremlin, seguindo a tradição Okrana, KGB e atualmente FSB – de onde é egresso o próprio presidente – tratava-se de não transigir com aqueles terroristas do islamismo radical para não perder as riquezas do território em questão e nem permitir ameaça ao controle da federação russa.
O debate político, porém, deixa de fazer qualquer sentido quando se assiste ao documentário Beslan: three days in September dirigido por Joe Halderman. Ignore-se o absolutamente dispensável tom melodramático expresso em catárticos fundos musicais e numa montagem maliciosa. A história documentada é simplesmente e naturalmente aterrorizante. Provoca aquela vertigem que sentem os incrédulos quando tentam imaginar o tamanho do infinito ou quantificar o vazio da morte.
O documentário traz, além de cenas externas como as que foram exibidas ao vivo pelas tvs na época, a subjetiva de um dos rebeldes, que utilizou a câmera de uma das primeiras vítimas do ataque: um pai que pretendia documentar a festa de retorno às aulas que ocorreria na escola naquele dia; ele foi morto, atirado do segundo andar sobre uma pilha de corpos e, provavelmente, filmado sem vida com a própria câmera. Pode-se então observar um pouco da agonia dos reféns sob o controle dos terroristas e, depois, sob o fogo cruzado durante a invasão das tropas russas. Enquanto familiares entram em convulsão do lado de fora da escola, do lado de dentro homens, mulheres e crianças, sem comida e sem água durante três dias, assistem à detonação, aparentemente voluntária, de duas terroristas que levavam explosivos na cintura e que supostamente não estavam informadas pelo bando que o atentado seria contra a escola. Num dos raros episódios de negociação, um emissário russo consegue a libertação de crianças de colo. Nesse momento algumas mães que possuiam outros filhos dentro da escola tiveram que optar entre sair com o menor ou permanecer com os dois.
Acredito que se nossa espécie fosse capaz de um pouco mais de empatia, o desespero e o sofrimento humano retratados no documentário seriam suficientes para que nunca mais permitíssemos que interesses de qualquer natureza conduzisse seres humanos a tamanha bestialidade. É inútil apurar autoria e culpa, descobrir que tem razão. O que se verifica é que, em casos como esse, todos nós somos vítimas e culpados pois trata-se justamente da falência da racionalidade em si, da renúncia geral à sensibilidade e conseqüentemente de uma vitória contra a humanidade do humano.
Talvez, ao contrário, o humano seja isso mesmo, ou isso também: uma criatura capaz de poemas e sinfonias, mas que tem prazer em ver as víceras do seu semelhante espalhadas pelo campo de batalha por qualquer razão que seja. Ainda assim prefiro pensar nas guerras entre os gregos, que paravam nas olimpíadas e que puniam soldados que cortassem oliveiras durante o conflito.
Do ponto de vista tchetcheno tratava-se, na disputa política,de tentar forçar uma negociação com o intransigente governo de Wladimir Putin que castiga a população rebelde com ataques e incursões militares, além de patrocinar assassinatos de lideranças e simpatizantes da causa. Na visão do Kremlin, seguindo a tradição Okrana, KGB e atualmente FSB – de onde é egresso o próprio presidente – tratava-se de não transigir com aqueles terroristas do islamismo radical para não perder as riquezas do território em questão e nem permitir ameaça ao controle da federação russa.
O debate político, porém, deixa de fazer qualquer sentido quando se assiste ao documentário Beslan: three days in September dirigido por Joe Halderman. Ignore-se o absolutamente dispensável tom melodramático expresso em catárticos fundos musicais e numa montagem maliciosa. A história documentada é simplesmente e naturalmente aterrorizante. Provoca aquela vertigem que sentem os incrédulos quando tentam imaginar o tamanho do infinito ou quantificar o vazio da morte.
O documentário traz, além de cenas externas como as que foram exibidas ao vivo pelas tvs na época, a subjetiva de um dos rebeldes, que utilizou a câmera de uma das primeiras vítimas do ataque: um pai que pretendia documentar a festa de retorno às aulas que ocorreria na escola naquele dia; ele foi morto, atirado do segundo andar sobre uma pilha de corpos e, provavelmente, filmado sem vida com a própria câmera. Pode-se então observar um pouco da agonia dos reféns sob o controle dos terroristas e, depois, sob o fogo cruzado durante a invasão das tropas russas. Enquanto familiares entram em convulsão do lado de fora da escola, do lado de dentro homens, mulheres e crianças, sem comida e sem água durante três dias, assistem à detonação, aparentemente voluntária, de duas terroristas que levavam explosivos na cintura e que supostamente não estavam informadas pelo bando que o atentado seria contra a escola. Num dos raros episódios de negociação, um emissário russo consegue a libertação de crianças de colo. Nesse momento algumas mães que possuiam outros filhos dentro da escola tiveram que optar entre sair com o menor ou permanecer com os dois.
Acredito que se nossa espécie fosse capaz de um pouco mais de empatia, o desespero e o sofrimento humano retratados no documentário seriam suficientes para que nunca mais permitíssemos que interesses de qualquer natureza conduzisse seres humanos a tamanha bestialidade. É inútil apurar autoria e culpa, descobrir que tem razão. O que se verifica é que, em casos como esse, todos nós somos vítimas e culpados pois trata-se justamente da falência da racionalidade em si, da renúncia geral à sensibilidade e conseqüentemente de uma vitória contra a humanidade do humano.
Talvez, ao contrário, o humano seja isso mesmo, ou isso também: uma criatura capaz de poemas e sinfonias, mas que tem prazer em ver as víceras do seu semelhante espalhadas pelo campo de batalha por qualquer razão que seja. Ainda assim prefiro pensar nas guerras entre os gregos, que paravam nas olimpíadas e que puniam soldados que cortassem oliveiras durante o conflito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário