Como milhares de brasileiros assisti ao filme Tropa de Elite de José Padilha antes de que entrasse em cartaz nos cinemas. Assim como boa parte desses milhares, pretendo vê-lo também em uma insuspeita, porém cada vez mais ruidosa, sala de exibição. Eis então a primeira, e não mais importante, questão suscitada pelo filme: estarão mesmo condenados os direitos autorais pela ação astuta e insidiosa da pirataria associada ao malcaratismo que, em maior ou menor, acomete o corpo social brasileiro?
Esse questionamento tem ocupado tempo e espaço preciosos da mídia nacional nas últimas semanas. Precisamente no caso de Tropa de Elite, não me parece que os prognósticos devam ser tão apocalípticos. Tendo em vista algumas experiências anteriores, em que o sucesso no universo virtual e underground potencializou o sucesso real de uma obra, a ponto de reposicionar os especialistas em marketing e dar origem a conceitos como por exemplo o de marketing viral, acho cada vez mais improvável que essas fenômenos aconteçam expontaneamente e fora do controle do mercado. A julgar pelos efeitos em termos de divulgação, acredito que os produtores do filme têm mais a festejar do que a lamentar com o ocorrido. Se tudo não fez parte de uma cuidadosa estratégia, fica ainda assim aberto o precedente e, certamente outros se servirão do expediente.
Temo, porém, que a polêmica instaurada oblitere outra de maior gravidade e profundidade. Refiro-me ao conteúdo a à mensagem do próprio filme: contra a desordem e a violência, ordem e violência.
Tropa de Elite apresenta ou reafirma a promiscuidade da PM carioca com o narcotráfico, excetuando desse caos o Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE); o batalhão é retratado como incorruptível e treinado duramente para o enfrentamento obstinado da guerra com os traficantes. O filme também aborda os vínculos da classe média com o morro, tanto na perspectiva alienado-assistencialista, quanto na de elemento partícipe do ciclo da droga como voraz consumidora.
A trama é tecida de maneira tal que, face à inquestionável volência dos traficantes, à inépcia da polícia convencional e diante da indisposição da classe média para assumir a responsabilidade pelo seu comportamento e postura, só um grupo disposto, preparado e desatado das leis pode trazer a salvação, ainda que seus procedimentos sejam também de inquestionável violência.
Mesmo apontando um dedo para o nariz do jovem universitário usuário de maconha e sentenciando o policial corrupto que trafica armas, o filme não fertiliza a discussão da segurança pública na medida em que apresenta sua solução: o BOPE, forte e intocável. Nesse sentido é bastante loquaz a opção do diretor por uma narrativa cinematográfica clássica com final fechado, assim como também o são a estetização da frieza e a glamurização da corporação.
Sem qualquer alarmismo, é impossível não me remeter às técnicas e concepções de Goebbels sobre o cinema no sistema de propaganda do Terceiro Reich. Justamente por produzir em seu filme uma certa e incômoda intradiegese da classe média, acredito que o diretor conseguirá forte adesão a sua mensagem, lembrando que a insinuação de cumplicidade com um delito pode fazer do indivíduo inseguro um entusiasta da punição ao delinqüente.
Esquadrões da morte não vão solucionar o problema da violência gerada pelo uso e pelo tráfico de drogas. Comecemos a discutir seria e urgentemente a descriminalização do consumo de algumas delas e o vazio existencial dos indivíduos na sociedade em que vivemos.
quarta-feira, 26 de setembro de 2007
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