quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O Fim do Trapeiro 10/01/2012

"Trapeiro encontrado morto no centro da cidade. Tinha um bilhete na mão"

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Futuro imperfeito

No final do ano que vem liguei para ela. Ela ainda estará com ódio de mim e fingiu que não reconhecerá minha voz. Eu começarei pedindo desculpas pelo que acontece no ano passado, ela me reconheceu e disse que não será importante e que já passarou. Insisti que não passará se não conversamos a respeito. Ela retrucou que não importará e que já supera a contrariedade. E me perguntará como andou meu futuro. Não soube dizer ao certo e perguntarei também como será seu passado. Ela disse que será melhor. Quererei saber se ela ainda me amou. Ela dirá que jamais me ama e eu disse, digo e direi que a amei, amo e amarei.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Vou pro inferno

Era a terceira vez que ele tinha morrido, a primeira por acidente, a segunda de velhice e, essa, por abusar da vida. Das duas primeiras tinha ido para o inferno direto, mas dessa vez morreu decidido que tinha o direito de experimentar algo diferente (a verdade é que já vinha nessa onda nos últimos meses). Quando chegou a hora da sentença, mandaram-no para o inferno pela terceira vez. Ficou puto e protestou: Mas qual o critério, afinal?
Como assim? Disse o anjo responsável indignado (ele ainda não tinha presenciado nenhum desses questionamentos comuns há séculos). Rapidamente apareceu um santo de barba grisalha que cochichou ao anjo novato para que saisse da área.
Ninguém conhece as razões de deus, meu filho! Tentou convencer o santo veterano.
Mas que catzo de julgamento é esse então, se ninguém sabe a regra? Dá primeira vez, tudo bem, vacilei mesmo. Achei que era por isso. Da segunda, não entendi, fiz tudo direitinho e acabei morrendo deitado no meu próprio mijo. Acatei. Mas e agora?
A insistência fez com que surgissem dois santos mais famosos, o outro sumiu numa espécie de fumaça ninja.
O bonzinho foi dizendo: eu sei que é difícil, meu filho, mas assim está escrito... O outro chegou enquadrando: baixa a bola que já passou muito rockeiro, escritor, filósofo e puta por aqui com esse mesmo discursinho! Inferno! Meu velho! Pronto e acabou!
Peraí, não põe a mão em mim! Eu sou cidadão e só estou querendo saber qual é o critério. Onde é que está escrito?
Um coral de anjos interrompeu a discussão. Não veio deus, mas veio o seu predileto. Tentou ganhar na base do carisma e da performance.
Você abusou da vida, meu filho!
Tá bom, é verdade, dessa vez abusei mesmo. Mas e das outras? E você? Vai me dizer que andar em cima da água não é coisa de maluco? E agora você taí, não tá? Qual o critério, então?
Sim, mas... mas... tudo bem, meu filho, passa, então pro lado de cá.
Assim? Nem fudendo! Vou pro inferno!





domingo, 20 de novembro de 2011

Santa Paciência

Quando era criança sabia o dia e a hora certa da série de televisão que gostava e esperava por ela ansioso. Não importa qual era, não é disso que se trata. Talvez fosse " Cyborg: O Homem de Seis Milhões de Dólares", "Ultamen", ou qualquer outra bobagem como as que existem hoje.
Com outras coisas era parecido: refrigerante no fim de semana; a mulher do yakut que passava na porta de casa exatamente ao meio dia; brinquedos no aniversário e no natal; tênis e roupas novas só quando meus pais podiam e achavam necessário; viagens nas férias; compras de supermercado, uma vez por mês...
Quando adolescente, também era assim. Namorava um disco por meses e, enquanto isso, me satisfazia esperando tocar no rádio uma das músicas queridas para gravar em fita cassete, me esmerando para pausar antes do locutor falar qualquer coisa. Uma volta de fusca no quarteirão, na hora de manobrar o carro durante a farsante lavagem de sábado. Dias e dias esperando, pelo correio, uma resposta de uma nova amiga da praia, cuja amizade povoava meus sonhos de cada noite. Ir ao cinema com amigos e tomar lanche depois era um evento que exigia planejamento e economias. A insegurança de uma namorada para qualquer ousadia era uma espera conjunta e sagrada.
Logo fui trabalhar e, como no trabalho ninguém esperava muito pelas coisas, comecei a perder a paciência também. Passei a saber esperar apenas as duas coisas que te ensinam a esperar: a hora de ir embora e o dia do pagamento. Todo o resto comecei a querer agora.
Enquanto isso, o mundo acelerou e hoje parece que a lógica que aprendi trabalhando é a mesma lógica das crianças, dos adolescentes, dos adultos, dos artistas e dos poetas.
Não sei como vai ser para quem já nasceu num mundo impaciente, onde se baixa na hora todos os episódios da série e um minuto num chat parece uma eternidade. Não digo que antes era melhor. Mas sinto que para desfrutar as melhores coisas que a vida oferece: uma criança crescer, um botão de rosa abrir, o baixar da maré, um pássaro construir seu ninho, o sol terminar de se pôr, um amor verdadeiro ser reconhecido... é preciso ter paciência.

domingo, 30 de outubro de 2011

A vantagem do homem que vem do futuro

Desde criança, ele ouvia que estava a frente do seu tempo. Seus pequenos prodígios encantavam os mais velhos e ele aprendeu a gostar disso; nem lembrava de apenas brincar. Quando era jovem passou a acreditar que a vida lhe seria mais fácil, então. Lidava, mesmo, muito melhor com as demandas de responsabilidade e postura que costumam atormentar os adolescentes e obteve destaque; nem se dava conta de que era seu tempo de revoltar e errar. Um pouco mais velho colheu um ou outro fruto com sua condição; venceu disputas, ganhou algum dinheiro e um pouco de fama; não cogitava as concessões que a vida adulta exige. Mas a vida foi passando e ele foi percebendo que, aquilo que chegou a parecer um super-poder, não trazia-lhe benefício algum naquilo que mais importava: ser amado por quem amava. Ao contrário, cobrava o que, sequer, estava pactuado; via problemas não enunciados; respondia perguntas que só seriam perguntadas depois; denunciava crimes ainda não cometidos; ofendia-se com aquilo que ninguém chegou a dizer; ia embora antes de ser realmente expulso; protegia-se do abandono quando ainda era querido. Compreendeu, assim, sua maldição.
Já adulto, solitário, confuso e inconformado com seu destino que era para ser brilhante, ele foi a uma cartomante:

O Mago quer dizer que, de alguma forma, você está a frente do seu tempo.

Ouço isso desde criança! Porque será que estou sozinho então? Não era para eu ter alguma vantagem!?

Vantagem? Que tipo de vantagem?

Sei lá!... Não era para... pelo menos... eu conseguir antecipar os passos dos demais?

"Antecipar os passos dos demais"?... Isso parece uma ideia bem limitada para quem vem do futuro, não? Só porque "você", vem do futuro, os "demais" "tem" que "te" levar em conta, mesmo que você não tenha criado vínculos com eles?

Nunca tinha pensado assim... mas...

O outro sempre terá o direito de ser ele mesmo, não importa quem, ou de que tempo, seja você. Mas, ainda assim.. de que futuro viria quem viesse do futuro?

Como assim?

"Você está a frente do seu tempo", confirma o Mago. Mas quanto? 10, 50 anos? Ou apenas 3 meses e cinco dias?

Como saber?

Senão você, ninguém mais. Então... não sei se é vantagem.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Comunhão Parcial de Bens

Já tinha passado muito tempo quando se encontraram de novo: anos, décadas, vidas inteiras, dias completos. Mas continuavam parecidos. Ambos tinham cicatrizes, filhos, hipotecas, tentativas frustradas e acompanhada solidão. Ambos tinham também contas a acertar um com o outro, mas nisso havia uma diferença: ele sabia e admitia, ela também sabia, mas achava que não. Foi ele quem a procurou numa rede social, deixou a primeira tímida mensagem, convidou-a para um café e falou primeiro: te chamei para esse café para te dizer que está na hora de nos separarmos.
Você continua um brincalhão! Não nos vemos desde que você apareceu com sua namoradinha cineasta na minha vernissagem. Afinal, não deu certo com ela? Muito jovem?
Deu certo sim, ainda estamos juntos e temos uma filha, como você e seu escritor velho demais. Mas não é disso que se trata. Estou falando de nós dois. Quero de volta o que é meu e está contigo.
Nina Simone? Aldo Bonadei? Em Busca do Tempo Perdido? Muitas vezes quis te enviar por Fedex, mas não sabia seu endereço.
Você também continua uma brincalhona! Não quero o que te deixei, quero o que você tomou de mim.
Você continua indecifrável! Está falando de amigos, lugares, valores, referências? Ora, isso eu não tomei, simplesmente tornou-se meu também.
Não, não, claro que não! Isso tornou-se seu, como tornou-se meu em algum momento igual. Falo do que era meu e só meu, mas você tomou de mim.
Vamos lá então! Estou disposta a te entregar de volta tudo que era teu e roubei sem me dar conta.
Está?
Estou. Desde que você não reivindique aquilo que, na verdade, acho que é meu por direito.
Você também continua indecifrável! Tá bem... será que você é capaz de me devolver a possibilidade de amar alguém como eu nunca deixei de amar você?
Você continua um pragmático escroto! Nos vemos no tribunal!
Casa comigo de novo, então.
Claro que não. Você é louco? Nos vemos no tribunal! Está aqui a minha parte da conta!
Espera... espera... Ladra maldita!... Devolva o que é meu!... Casa... comigo...outra...vez... então...

0 comentários:


Postar um comentário


Postagem mais antiga

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Quando não dá para voltar

De tanto arrependimento, o sujeito enlouqueceu e acabou tornando-se um andarilho. Sendo assim, ganhou outra sanidade e virou sábio também. Sentiu na pele a natureza e seus elementos. Compreendeu que a ciência, o pensamento e a lógica são parte e não o todo. Reconheceu a diferença entre o que precisa e o que deseja. Percebeu seu verdadeiro tamanho diante das grandes coisas. Misturou-se com a paisagem e não sabia mais o que era ele e o que era o mundo. Só do arrependimento não aprendia como se livrar.
Numa noite fria, deitado com sua garrafa de conhaque na beira de uma estrada, evocando sabe-se lá que poderes, conseguiu voltar ao momento em que agiu errado. Pensava simplesmente reparar o erro e, assim, corrigir a trajetória. Mas, quando retrocedeu no tempo, foi consigo mesmo que se deparou, justamente no momento em que o eu antigo estava prestes a cometer o erro. Ambos se reconheceram.
Não, não faça isso, pense melhor.
Já pensei. É isso o que eu tenho que fazer.
Isso vai tornar sua vida um inferno.
Essa tristeza é o inferno.
Não é.
É.
Vai ser pior.
Não pode.
Eu sei o que digo.
Você não pode saber mais do que eu.
Posso, porque eu sou você depois disso.
Mas eu sou você antes de você ser.
Então aprenda com quem você está prestes a se tornar.
Só posso aprender com você se você for e você só será se eu fizer o que tenho que fazer agora. Logo, se não fizer, você não existirá e essa conversa será apenas um balanço de consequências comigo mesmo.
É verdade. Só posso, então, mesmo, lamentar minhas certezas de outrora. E agradecer a você minha parca existência.