segunda-feira, 17 de março de 2008

FARCs de dois gumes

Quero crer que os principais envolvidos e egrégios diplomatas têm tudo isso que eu vou dizer em conta, mas, por via das dúvidas, não custa externar.
Não acredito que as FARCs pensem mesmo na possibilidade de tomar o poder na Colômbia para, então, finalmente implantar o seu projeto; nem acho que exista mais de fato um projeto e esse é um dos problemas. Escondida no passado distante a quimera de uma sociedade mais justa, a guerrilha – como aconteceu em El Salvador ou Nicarágua – tornou-se um modo de vida para muitos colombianos. Quando digo modo de vida, quero dizer que muita gente que ali se encontra, não está por convicção política ou por ideologia, mas sim porque é onde têm seus laços afetivos, suas memórias, seu reconhecimento social, sua ilusão de segurança e seu prato de comida. São homens e mulheres; crianças, jovens e velhos vagando sem perspectiva pelas selvas e fazendo a única coisa que sabem fazer: combater.
Só consigo vislumbrar dois caminhos para a paz: um deles é a busca do entendimento mínimo associado a um processo cuidadoso de reintegração social, como é necessário fazer depois de uma guerra. O entendimento mínimo pressupõe reconhecer que boa parte das demandas que originaram as FARCs eram e continuam sendo legítimas e a reintegração necessita, além de políticas públicas, sincera disposição para a reconciliação nacional. O outro caminho é a guerra de extermínio, que exige menos inteligência e humanidade além ser mais rentável para quem lucra com as mazelas do mundo.
Nesse segundo caminho estão o presidente Álvaro Uribe, os EUA, a Revista Veja e a maior fatia da classe média brasileira, por exemplo.
Só não estou muito certo sobre qual o real significado e o real valor da paz para quem, por interesse, ignorância ou preguiça trilha esse caminho.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Persépolis – Antiga capital do Império Persa

Veja Persépolis. Trata-se de uma animação que narra a trajetória da iraniana Marjane Satrapi desde a infância durante a ditadura do Xá Reza Pahlev, até o exílio após a devastação moral e estrutural provocada pela Revolução Islâmica e pela guerra Irã x Iraque.
Assistir ao filme é uma experiência de muitas sensações. Antes de tudo é um presente para os olhos; aquilo que parece um desenho animado simples como os do pica-pau, vai aos poucos se transformando em vida real, em poesia, em ciranda, em magia. É simplesmente encantador. Uma história bruta contada com delicadeza e maturidade é outra raridade que Persépolis oferece; percebi que minha mulher derrubava suas lágrimas, mas um pouco de sorriso não lhe abandonava o perfil. Por fim, a animação dirigida por Vincent Paronnaud e pela própria Marjane Satrapi permite refletir sobre os muçulmanos normais, ou seja a grande maioria deles que, assim como a grande maioria dos católicos não realiza a auto-flagelação, também não praticam o Jihad e tampouco tem tanto apreço pelo véu e pela palavra do profeta.
Deixemos para as minorias radicais de cada lado as acusações apaixonadas. Felizmente a relação das maiorias com a sua religião é mais ou menos vagabunda em todos os cantos.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Chaves tem lá os seus problemas

Não tenho dúvidas quanto ao histrionismo e a boa dose de fanfarronice latina do camarada Hugo Chaves. Acho, inclusive que o caminho adotado por ele e para a Venezuela é sim um caminho de risco. Como de resto sempre foram todos os caminhos trilhados pelos países latinoamericanos, mesmo aqueles ditos seguros, vide o do Consenso de Washington a partir dos anos noventa. O de Chaves pelo menos não é tão estreito, permite que os miseráveis aos menos tentem caminhar também; além disso parace também um pouco mais digno. Mas gostaria de chamar a atenção para o significado e para a seriedade dos últimos acontecimentos internacionais envolvendo Colômbia, Equador e Venezuela. Talvez porque fale sempre e as vezes demais, Hugo Chaves não esteja conseguindo comunicar convincentemente suas preocupações que são absolutamente legítimas e que deveriam mobilizar toda a América Latina: a Colômbia é mesmo um fantoche dos EUA.
Não me atrevo a defender as FARCs em seus meios, porém a satanização do movimento; a recusa colombiana em buscar um entendimento; e a cristalização de um senso comum, segundo o qual, os "narcoguerrilheiros" devem mesmo ser exterminados estão servindo para fazer da Colômbia uma cabeça-de-ponte na América Latina para o poder militar norteamericano. A recente invasão do Equador pelos militares colombianos para matar Raul Reyes demonstra o grau de interatividade entre Colômbia e EUA, quer seja pela postura prepotente, pelos princípios (ou falta deles) demonstrados, ou pelos recursos e tecnologia empregados na ação.
O governo Álvaro Uribe embora eleito democraticamente pelo povo da Colômbia, não tem o direito de comprometer a segurança e a soberania do continente sob a desculpa de que lida com o terrorismo interno, nesse caso, novamente está certo Hugo Chaves, as FARCs são também problema nosso e não precisamos de uma Israel na América Latina. Não sei se Chaves já chegou a dizer essa última frase, em todo caso estou certo de que não discordaria de mim.