segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Myanma- outra vez o neo-colonialismo

Nas últimas semanas os noticiários internacionais trataram dos distúrbios políticos em Myanma, país de quase 60 milhões de habitantes que faz fronteira com China, Tailândia e Laos ao Leste e com Índia e Bangladesh a Oeste. O governo militar do país tem reagido com violência às manifestações populares pró-democracia. Ainda não se sabe a verdadeira proporção dos conflitos, mas precedentes como o do Kossovo e do Timor-Leste, já começam a ser evocados. Ban Ki Moon, o ainda pouco expressivo líder das Nações Unidas, demonstrou certa inquietação com o assunto ao enviar o emissário nigeriano, Ibrahim Gambari, às pressas para o país com a missão de obter alguma interlocução junto ao governo. Ainda que exitosa, a tarefa não será suficiente.
A antiga Birmânia tem uma trajetória nacional intrincada e a própria mudança de nome em 1990 é um sintoma dos problemas que deverão ser equacionados para que Myanma possa seguir o caminho da paz interna. A etnia birmanesa, que dava nome ao país, corresponde a cerca de 70% dos habitantes, mas existem diversas minorias, algumas alçadas em armas, que não reconhecem o governo birmanês ou, ao menos, não na sua configuração atual. Esse é o caso, por exemplo, dos karen, cerca de 6% da população cuja ascendência remete aos mongóis e que chegaram a ser acusados de traição pelos birmaneses quando, em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, não apoiaram o movimento de independência da Birmânia contra a Inglaterra, movimento que foi patrociando pelo Japão.
A forma como muitos governos costumam lidar com suas minorias é antiga: deslocamento forçado e/ou extermínio; especialmente quando tratam-se de minorias valentes e refratárias. A forma é tão antiga e foi tão vulgarmente utilizada que poucas nações não possuem telhado de vidro a respeito. A tragédia se agrava quando os governos empenhados na tarefa de zelar por sua autoriadade e pela integridade do país são governos ditatoriais, como é o caso de Myanma, que praticamente não conheceu a democracia desde sua independência.
Os recentes distúrbios no país não estão sendo causados, contudo, pela atividade das minorias étnicas, esse é um conflito mais profundo, perene e de desenlace mais complexo. O que ocorre nesse momento é a repressão da Ditadura comandada por Than Shwe aos partidários da democratização do regime que são majoritariamente birmaneses como a líder da National Liegue for Democracy, Aung San Suu Kyi. Filha de um dos grandes líderes da independência e ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em 1991, Suu Kyi teria se tornado Primeira Ministra se as eleições parlamentares de 1990 não tivessem sido desconsideradas pelo regime. A despeito de sua biografia, ou justamente devido a ela, Kyi permanece atualmente em prisão domiciliar em Rangum.
Ainda que não tenhamos muitas informações objetivas devido à blindagem do sistema, é certo que a legítma luta pela democracia em Myanma vem sendo, dura e explicitamente, reprimida e o referido tratamento dado a um Prêmio Nobel da Paz é bem ilustrativo. Permanecem, então, duas questões cruciais: como, silenciosamente, vêm sendo tratadas, há décadas, os não birmaneses? Como serão compatibilizados por um governo democrático?
Os descaminhos políticos e a questão étnica em Myanma possuem diversas raízes, mas a principal delas diz respeito à ação neo-colonial das nações desenvolvidas, que fracassaram em sua “missão civilizadora“, abortaram o desenvolvimento natural desses povos e agora assistem indignadas e omissas suas lutas fratricidas.