segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

CARTA A FIDEL


Caro Comandante,

Nas duas vezes em que estivemos juntos, uma na Vila Eulália num encontro da AELAC e outra em La Cabaña, por ocasião da bienal do livro, não tivemos a oportunidade de conversar como eu gostaria. E olha que eu gostaria. Aliás se tua saúde e teus afazeres permitirem, eis aí um projeto que ainda me arrebataria. Foram poucas as personalidades de qualquer área sobre as quais alimentei por tanto tempo o desejo de sentar junto, tomar uns tragos e ouvir histórias. As razões para isso são diversas.
Como muitos companheiros, eu também já vi no socialismo a solução para a maior parte dos problemas humanos e confesso que quando pensava sobre isso, o que me vinha à cabeça era o socialismo que você, o Chê e o povo cubano tinham inventado. Essa talvez seja a primeira razão.
A fé no ser humano e na possibilidade de construir consciente e conjuntamente uma sociedade razoável para se viver foi o que me levou ao socialismo, mas foi também o que me levou às histórias de Alexandre, Gengis Khan, Carlos Magno e daí para as de Dom Quixote e Capitão Nemo. Histórias vividas e inventadas de sujeitos que realmente não tiveram medo do julgamento que a história faria deles. Nesse caso, tua vida me lembra as deles e essa é outra razão.
Com o passar do tempo, acho que fui perdendo um pouco daquela fé no melhoramento humano. Na medida que o caráter do homem ia se me revelando mais vagabundo, o socialismo também ia ficando menos íntegro e menos garboso. Nunca desertei, mas perdi logo o ímpeto de ir nas primeiras filas. Você permaneceu com sua crença ou teimosia sob uma saraivada de balas vindas de todos os lados. Você tem que ter suas razões para isso e suas credenciais me fazem curioso demais de conhecê-las. Aí está mais um motivo.
Hoje em dia quase não encontro mais o ser humano por quem já achei que tanta coisa valia a pena. Mas quando encontro, acho tudo de novo. O mundo me parece estranho, girando automática e indiferentemente como se um homem nunca mais fosse capaz de fazer diferença. Já não sei se a história é arma carregada ou relíquia de parede. Enquanto eu apenas ia sentindo as pequenas marolas que a História fazia chegar até mim, você com seu peso, de um lado ao outro no convés alterava a trajetória. E por isso, te perguntar: "– O que foi o século XX, Fidel?" – seria a principal razão.
Lembranças ao povo cubano e cuide de sua saúde.

Hasta la vitoria siempre.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Cartões Corporativos

Fico espantado com a disposição da média relativamente intelectualizada e de seus gurus da imprensa para infantilizar qualquer debate que poderia receber um tratamento maduro e produtivo. É o caso da mais recente polêmica nacional: a dos cartões corporativos. Não quero contribuir com o palavrório que acaba por roubar qualquer sentido de tudo aquilo que tenta explicar e, por isso, vou apenas resgatar algumas assertivas preliminares que me parecem úteis a quem realmente quer manter os pés no mundo real e, quem sabe, trabalhar pela sua melhoria.
1. Se não houvesse potencial de corrupção no ser humano e consequentemente no administrador público, não seriam necessários leis, organização e controle. Isso quer dizer que quanto melhores as leis, a organização e o controle, menores as possibilidades da pulsão de corrupção aflorar. Esse regra independe da religião, cor, classe social, partido político, ou nível intelectual do agente público, dependeria sim da sua moralidade e quem sabe das palmadas que levou dos pais quando iniciaram suas primeiras reações anti-sociais. Mas é arriscado demais confiar nisso.
2. Os cartões corporativos são um tremendo avanço no que diz respeito ao controle, já que o sujeito passa o cartão alí na choperia e o gasto aparece no Portal da Transparência para que todo mundo possa ver.
3. As CPIs são comissões de investigação e não forças tarefas que cercarão a casa do assessor do minstro para levá-lo à cadeia por que usou o cartão corporativo para enviar flores à amante. Nesse caso, se a mesma energia utilizada para uma CPI fosse utilizada para a elaboração de um manual de utilização ética do cartão e para efetivar a implicação de culpados, o país certamente ganharia muito mais, pois um instrumento que já está funcionando, funcionaria melhor. Não esqueçamos que todo o debate só é possível porque a CGU mantem o seu portal.
4. A imprensa, que contribui no início dando visibilidade aos dados da CGU, não contribui mais quando se torna obsessiva em querer saber se a tapioca era doce ou salgada. Já não faz mais diferença, é claro que havia irregularidades no uso e é claro que os culpados precisam ser punidos, mais importante agora, porém, é envolver a sociedade civil na criação de mecanismos melhores de controle e é nisso que uma imprensa cidadã, não espetacular e não mesquinha deveria se empenhar.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Você estudou em escola pública?


Tenho uma sugestão que poderia contribuir para a melhoria dos resultados apresentados pelas escolas públicas do país. Não me refiro apenas ao péssimo desempenho pedagógico, mas também ao seu fracasso como espaço de sociabilidade e convívio saudável de crianças e jovens.
Não se trata de política pública, mas certamente poderia ser potencializada por uma. Assim como hoje é tão comum a existência de associações de ex-alunos de escolas superiores renomadas e colégios particulares tradicionais, proponho a difusão também de associações dos egressos de escolas públicas.
Os objetivos principais das associações seriam: o fortalecimento da identidade da escola através da preservação da sua história; o incentivo ao sentimento de pertencimento a uma comunidade por parte do aluno; o estímulo à apropriação da escola e de sua realidade pela comunidade local e a sinergia real na solução de problemas ou dificuldades.
Estou falando basicamente de encontros de ex-alunos; de uma agenda de festas comunitárias; de palestras com profissionais que foram alunos; estou falando, enfim de adultos que amaram sua escola e que hoje são capazes de doar um pouco do seu tempo, de sua inteligência e até dos seus recursos para preservar a instituição que ajudou a construir (e vice-versa) e, quem sabe, melhorá-la para os que estão e virão.
Isso tudo é muito simples, basta começar. Quem sabe não seja uma maneira, inclusive, de dar real utilidade a ferramentas como o Orkut, por exemplo.
Preciso apenas alertar para o fato de que não se trata simplesmente de mais um clamor ao espírito de voluntariado das tantas pessoas ditas de bem, estou falando de coisa muito diferente.