quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Pronunciamento do Presidente Lula


Como milhões de brasileiros, assisti hoje ao pronunciamento do presidente Lula pela televisão. Isso me inspirou alguns comentários sobre o atual governo e sobre sua sucessão.
Declaro, antes de tudo, que faço parte daquela legião de simpatizantes do projeto petista que não sabia onde enfiar a cara nos primeiros anos do governo Lula. As denúncias de corrupção; o convívio, contemporização e acomodação com a escória da política tradicional; a forma continuísta de lidar com uma herança abominável; a aversão religiosa quanto às necessárias e esperadas rupturas; a adesão instantânea e contraditória a uma visão das mudanças sociais pela via institucional... Tudo isso, por pouco, fez com que aderisse ao purismo quase ingênuo da dissidência indignada. Não cheguei, contudo, a cogitar o desbunde rancoroso como, me parece, ocorreu com diversos companheiros que apenas aguardavam as primeiras dificuldades, para justificar o cuidado exclusivo com a família e própria vida. Optei por uma postura estóica, que não foi tão confortável quanto pode parecer. Perdi amigos por não crer como deveria e por não descrer como deveria. A simples análise objetiva da conjuntura, porém, sempre foi suficiente para me manter tão longe quanto sempre da oposição preconceituosa, tola e mesquinha. Isso jamais me custou amizades, pois não cheguei a cultivá-las.
Passado o tempo, posso hoje reiterar minha decepção com o governo Lula e com o projeto petista: seu legado é parco e tíbio em vista do que chegou a vaticinar e diante da promessa que sucitou tanto engajameto.
Olhando para frente, porém, e pensando como historiador, vejo que, como insiste em dizer o presidente Lula, "nunca nesse país" uma porção de coisas. É verdade! Os programas sociais, com sua consequente distribuição de renda, surtiram algum efeito; os indicadores econômicos bateram médias históricas; a inserção internacional do país ganhou relevância e qualidade; a autonomia nacional cresceu; o estado aumentou sua presença em setores fundamentais e o Brasil adquiriu protagonismo mundial quanto ao modelo econômico praticado.
Pensando nas eleições de 2010, então, o que vejo é uma oposição de direita quase articulada, porém sem qualquer discurso político e, uma oposição de esquerda, desarticulada, sem projeto alternativo factível, também sem discurso e quase desorientada: não há doutrina marxista que justifique o apoio do PSOl ao Partido Verde brasileiro, somente o velho, carcomido e execrável pragmatismo (Eu também lamentaria a ausência de quadros como Ivan Valente no parlamento burguês).
Sendo assim, declaro, em Dezembro de 2009, meu voto nas próximas eleições à Dilma Russef, por quem não nutro nenhuma grande sipatia.
Voltando ao pronunciamento do Lula hoje, concordo com o imperialismo moral de Obama: quer queira, quer não, "ele é o cara". Foi à tv um ano atrás, contra todos os prognósticos e, como se estivesse num estádio de São Bernardo do Campo em 79, falou ao povo do Brasil sobre como enfrentar a crise mundial. Foi entendido, voltou hoje e agradeceu. Simples assim, como acho que ainda é o Lula.
Concluo com uma sugestão ao presidente:

"querido presidente, acho que entendo suas aspirações, referências e inseguranças presidenciais e, como historiador, penso que você deveria, antes de se engajar totalmente na campanha sucessória, juntar todas as suas realizações sociais e brigar no Congresso por uma espécie de CLS como a CLT do velho Getúlio."

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Nota de Falecimento

Em meu contido desespero comunico a toda humanidade o falecimento do Kamarada Moscou. Peço um minuto de silêncio, pois caiu em batalha um grande sujeito.
Faço esse comunicado tentando apenas o auto-convencimento e um pouco do meu próprio conforto que, eu sei, só virá com o passar do tempo. Nesse momento, porém, o tempo parece estacionado para sempre.
A narrativa fantástica é como uma prece sem destinatário de quem não crê, mas tem os joelhos flexionados até o chão.
Fazia dias que o pequeno exército do grande Moscou travava uma luta injusta contra inimigos implacáveis e invisíveis. Tentávamos incansavelmente proteger uma bonita praça sitiada onde pessoas e bichos não tinham grande diferença: quem era bicho falava e agia como gente e quem era gente falava e agia como bicho. Um aprendia com o outro o que outro tinha de melhor. Razão, instinto e expressão de afeto no seu estado mais puro e mais desinteressado.
Nosso efetivo era composto por soldados valentes e valorosos: no conselho de guerra a sábia e experiente Polyana; como ajudante de ordens a gata Havana, condecorada por sua lendária bravura nos campos de batalha; a pequena Leila, manteve a coesão e o ânimo da tropa e, eu mesmo, encarreguei-me das ações de guerrilha e das tentativas de sabotagem do inimigo. Contávamos ainda com amigos da resistência e com uma facção da Legião Estrangeira composta por jovens veterinários. No comando, o generalíssimo Moscou, mais consciente e resignado do que todos nós sobre as reais chances de vitória. Além da inquebrantável disposição, nossas armas eram precárias: antibióticos corrosivos ou pouco eficientes; protetores estomacais intragáveis; acupunturas protelatórias; placebos com intenção vitamínica e rações pastosas insuficientes.
Quando o covarde inimigo liderado pela dissimulada Leukemia e pelo medíocre Mycoplasma atingiu sorrateiramente a medula e o sangue do Generalíssimo ele convocou o estado maior e disse como Leônidas aos espartanos: essa noite banquetearemos com os deuses, aquele que quiser desistir que o faça sem vergonha, a batalha é perdida. Nenhum de nós deu passo a trás. Durante a mais sangrenta luta que alguém já viveu, combatemos minuto a minuto de olhos abertos e com disposição para a vitória. O generalíssimo, contudo foi abatido.
Sem mais alento, levei hoje o Moscou ao veterinário, suas forças eram exíguas. Após o medicamento emergencial faltou-lhe oxigênio. Recomendram-me sacrificá-lo, pois não resistiria à locomoção até o hospital. Em pranto consultei Polyana e concordei com ela que deveríamos tentar.
Enquanto conduzia o agonizante Generalíssimo em maca improvisada até a tenda de socorro ele me disse, arfante: "vá mais devagar, deixe-me ver o azulado do céu; falta-me o ar. Nunca deixe o ar faltar, não há batalha que possa ser vencida quando não sentimos o fresco do ar entrando por nossa narinas, não que vençamos só por isso, mas teremos mais consciência do valor da vida e do porque lutar. Deixe-me ver mais um pouco o azulado do céu, como é bonito!" Entre a tristeza e a resignação, apenas segurei a pequena pata branca do generalíssimo e disse-lhe que estávamos perto e que conseguiríamos. Ele sorriu: "como assim, conseguiremos? Eu já consegui. Lembra de quando nos conhecemos? Cheguei filhote e fui acolhido como filho; ganhei o apreço, o carinho e irmandade da Havana; minha mãe abria a janela para mim, cada vez que eu queria ir lá fora, era só miar que ela acordava; os vossos amigos e parentes me acarinharam como nunca sonhei existir carinho; comi coisas gostosas para as minhas sete vidas; dormi entre suas pernas noites e noites e vi coisas lindas que prometo não confessar; corri atrás das mais carinhosas, felpudas e coloridas bolinhas; virei referência de afeto e ternura para vocês que são tão complexos nessa coisas; ganhei a sua tão difícil amizade; vivi num lar cheio de respeito e mutua devoção e vi, como combinamos, sua linda filha nascer. O que me falta conseguir?".
Cheguei ao hospital veterinário da Avenida Pompéia com o Moscou já praticamente sem vida. Soprava sua boca como se pudesse ser deus e restituir-lhe, num sopro, a própria vida que se-lhe esvaia. Claro, não Consegui. Não conseguiram.
Peço um minuto de silêncio: morreu um grande sujeito e ele era meu amigo de verdade.

sábado, 5 de dezembro de 2009

O professor que se matou


Não vou discutir aqui as graves questões psicológicas não resolvidas que levaram o pobre a essa tão desesperançada e deselegante atitude que é atirar-se do nono andar de um prédio antigo e charmoso do bairro da Pompéia. Se não estivesse tão cheio de convites naquele sábado, estou certo de que tomaríamos juntos aquela mesma garrafa de vinho e criaríamos uma teoria qualquer ou, então, pensaríamos num projeto revolucionário que lhe daria mais alguns meses de sobrevida. Bem, aconteceria mais dia, menos dia. Para quem vive esse eterno vazio teimando em pensar a respeito, é só uma questão de tempo, uma hora sua agenda não bate com a do seu melhor amigo e você então acaba fazendo o que pensou fazer tantas vezes. Não perdôo, contudo, o descuido estético nesse caso, especialmente sendo quem era. Meu amigo, posso assegurar, conhecia a biografia de diversos personagens infelizes que souberam pôr termo a suas vidas de maneira mais bela e mais literária. Cheguei a desconfiar até de seu tão apregoado apreço pelo jovem Werther. Confesso que acompanhar os legistas causou-me mais decepção do que repulsa.
Gostaria mesmo é de falar sobre o seu lindo romance, a obra que justificaria sua existência e sobre a qual coversamos em tantas outras crises. Uma história incrível, como nunca ouvi, narrada de uma forma realmente original. Acontece que, ao vasculhar seus pertences e arquivos de computador, não encontrei uma linha sequer sobre a história do poeta que sequestrou e manteve deus no cativeiro durante 21 dias. Ouvi durante mais de quatro anos os detalhes sobre as negociações do poeta com os diversos públicos interessados em pagar o resgate: capitalistas, comunistas, filósofos, cientistas, diplomatas, juristas, médicos, companhias de seguro, padres, rabinos, bancos e ongs. Cheguei a me emocionar com um apelo do próprio diabo desesperado. Mas o maldito mentia. Nada. Ele não escreveu absolutamente nada sobre a história que poderia ter dado sentido a sua vida e a sua morte.
Reproduzo, então, simplesmente, o bilhete de despedida que encontrei sob a última taça de vinho do meu colega professor:

"Não sei quantas faltas vocês têm, fodam-se vocês, seus estágios e seus chefes, fodam-se seus pais também; minhas avaliações foram medíocres, eu fui um professor medíocre, esse sistema de ensino é medíocre e vocês menos do que isso. Desliguem os celulares. Parem de arrumar desculpas. Diretor, vá tomar no seu cu, seu bosta. Colegas, vocês precisam ler um livro urgentemente. Qual? Qualquer um! Dona Joana, fique com a Samanta, ela gosta da senhora. Net e Mastercard, desistam, eu não vou pagar! Melhor nessa vida era ter sido vigia noturno".

Lamento, mais uma vez, a perda de compostura do meu colega professor. Jamais esperaria tanta vulgaridade da parte de um sujeito tão nobre. Na minha opinião, nem a morte redimirá tamanho desalinho.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Impressões sobre a família


Parece duro dizer, mas família é um parco benefício cujo custo não compensa.
Comecemos por uma definição objetiva de família: pessoas que possuem laços consanguineos e que, eventualmente vivem ou viveram sob o mesmo teto e, talvez, adotem o mesmo sobrenome, numa sociedade que recomenda e reconhece tudo isso.
É comum que pessoas nessa condições também tenham compartilhado boa parte de sua experiência, tenham construído referências similares e tenham também introjetado valores semelhantes.
Acontece que, às vezes, aquele que você acostumou a respeitar como pai, é um cidadão com quem você não é capaz de compartilhar, relaxada e gostosamente, nenhuma impressão sobre os fatos da vida que são tão relevantes para você. Que sua santa mãezinha não consegue entender seus gostos e inclinações para além do frango com batatas que você já não aprecia tanto, desde os doze anos de idade. Que sua irmã mais velha aprecia e celebra relações que você repele e execra. Que seu irmão mais novo vive uma vida burocrática e persegue ideais que te inspiram piedade. Que sua tia é chantagista, canalha e delinquente. Que seu primo é dinheirista, cafona e homofóbico e que seu fofo avô paterno é quem ainda, no fim da vida, legitima e confere tradição solene a toda essa puta merda.
Mesmo assim e, por mais incrível que pareça, tudo isso, normalmente, faz parte do benefício familiar, pois confere a segurança de ter origens, a tranquilidade do amparo nas emergências, a colorida ilusão de uma eterna infância e o conforto no desespero pela sensação de estar só na batalha pela sobrevida.
O custo ainda vem na exigência de respeito, sublimação, presença, compreensão, doação, empatia, renúncia, indulgência, resignação e apoio financeiro.
Contabilizando tudo, penso que o autônomo investimento em psicanálise e em relações espontâneas e verdadeiras, mesmo parecendo mais arriscado e com menos liquidez, é certamente, mais rentável.
Acho que isso vale para quem herda e para quem constrói heranças familiares.

sábado, 17 de outubro de 2009

10 prescrições da medicina contemporânea

Sempre fui contra doenças, assim como sou contra a morte de pessoas legais, contra terremotos, ciclones e tissunames. Acho que tudo isso atenta contra a grandiosidade e a dignidade da espécie humana. Protestarei até o fim contra esse tipo de barbárie.
As doenças, contudo, parecem-me hoje o mais sombrio dos flagelos. Isso porque cheguei a ter esperanças de que nossa inteligência fosse realmente capaz de aplacá-las. Nutria uma ingênua admiração pelos doutores que em minha fantasia, com seus trajes brancos e estetoscópios pendentes, perdiam noites e noites tentando decifrar as sórdidas armas com que as moléstias insidiosas nos acometiam cada vez que praticávamos aquilo que é mais humano em nós: os excessos, os vícios e a auto-destruição necessária ao viver.
Infelizmente constato que o nosso alvo exército rendeu-se ou foi cooptado. Após o longo percurso desde Hipócrates, as 10 principais prescrições da classe médica são hoje:

1) jamais fique doente, especialmente se não puder pagar o convênio ou se for conveniado;

2) se ficar, pare imediatamente com o cigarro, a bebida, os carbo-hidratos e faça exercícios leves. Caso seja particular, guarde um tempo para você.

3) não é possível saber exatamente qual é a sua doença, mas trata-se de uma doença idiopática;

4) seja qual for, a probabilidade de ela te matar é de 50%;

5) tome esse remédio desse parceiro e vamos repetir o exame nesse laboratório;

6) sempre há risco, mas é melhor operar;

7) sem o meu anestesista e o meu instrumentador é provável que você morra na cirurgia;

8) o plano não cobre, mas eu divido em três cheques;

9) quando eu não sou o plantonista do hospital, o plantonista costuma preferir que você morra.

10) o que era possível fazer foi feito, agora está nas mãos de Deus.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Rio 2016

Não vejo como não comemorar a escolha do Rio como sede das Olimpíadas de 2016. Faz bem para a auto-estima brasileira; ajuda na cura do nosso complexo de vira-latas; ambienta o esporte mundial num cenário de encantos mil; desafia nossa capacidade de fazer bem feito e trás perspectivas reais de dividendos.
Creio, porém, que o melhor de tudo isso seja o estímulo para que pensemos nos incontáveis problemas do Rio de Janeiro de uma maneira diferente da que já se tornou costume: não se trata agora de simplesmente constatar, lastimar e comentar a gravidade da violência e das distorções sociais da cidade. Será preciso encontrar e praticar soluções. E será necessário fazer isso tudo até 2016.
Ainda que de forma mais ou menos colonizada, o fato é que temos prazo para executar a tarefa, nem que seja tão somente porque o mundo inteiro vai cobrar isso de nós. Uma nação segura certamente não esperaria esse estímulo externo, mas sejamos auto-indulgentes com isso.
Penso que na puberdade de suas tensões políticas e, consequentemente, eleitorais, a classe dirigente do país tenha perdido - se é que chegou a ter - a capacidade de planejamento para além de seus mandatos. E penso também que, fora do contexto revolucionário, sem planejamento de médio e longo prazo, não há solução.
Sendo assim, me anima imaginar que os gestores públicos tenham que atuar agora, obrigatoriamente, de acordo com uma agenda que não seja exclusivamente a dos seus próprios compromissos políticos. Mudem ou não os quadros e os partidos dos governos federal, estadual e municipal, existe uma contingência clara e maior: tornar o Rio de Janeiro uma cidade capaz de recepcionar os Jogos Olímpicos em 2016.
Lembro, então, ainda que essa coisa de superação de limites físicos não chegue a me fascinar, que os conflitos entre as cidades-estado gregas eram suspensos por ocasião das Olimpíadas e tornava-se crime sem limites, por exemplo, danificar as oliveiras da cidade inimiga. Talvez o exemplo valha como metáfora para as rivalidades políticas do Brasil de 2009 a 2016.
Toda essa argumentação, contudo, arrisca ser falaciosa se o empenho pelos Jogos Olímpicos do Rio restringir-se a medidas cosméticas, temporárias e enganosas. Mas se isso aontecer, a culpa será nossa.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Sinuca de Tegucigalpa

A Diplomacia brasileira pecou pela boa fé.
Digo logo que não creio na conivência do Itamaraty com a estratégia de retomada do poder de Manuel Zelaya, presidente eleito e deposto de Honduras.
Não acho realmente que fazer da Embaixada brasileira o QG do contra-golpe em Honduras tenha sido um plano conjunto. E não acho, simplesmente, porque isso não seria nada inteligente, especialmente para quem pretende robustecer o papel do Brasil como árbitro das questões regionais. As consequências disso seriam, como já são, desgastantes e pouco capitalizaveis para o plano maior.
Mas penso que houve uma certa leniência para com a questão cuja razão remonta a um problema que deve ser melhor examinado pelo nosso governo.
Durante muito tempo, pessoalmente, também imaginei que a afinidade ideológica com os parceiros era motivo suficiênte para seguir despojado e adiante com projetos que pareciam conjuntos. Com o avançar dos anos acabei percebendo que, também entre camaradas, havia vaidade, preconceito, burrice, pequenez e trapaça. A contatação custou-me amigos e dinheiro, causando-me muito pesar e, depois, alguma revolta.
Não tenho certeza, ainda, de que o mesmo esteja ocorrendo com a nossa diplomacia no caso de Honduras, mas suponho que tenhamos sido ludibriados por conta da boa fé de nossos diplomatas.
Não os condeno, ao contrário, sou cúmplice de seu infortúnio. Mas espero daqueles que dedicaram sua vida a essa tarefa, que sejam mais rigorosos em seus critérios quanto às nossas posturas internacionais.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Reforma Política

No debate nacional sobre a chamada "Mini Reforma Política" fiquei contente ao saber que algumas cabeças mais arejadas conseguiram reverter as proibições quanto ao uso da internet em campanhas políticas. Lamento, porém que a argumentação dos intrépidos combatentes restrinja-se apenas a questões como o barateamento dos custos de campanha e o direito democrático à livre expressão. Estou esperando, porém, alguém que trate do caso com mais profundidade e com mais engenho.
Acredito que exista sobre isso um certo distúrbio de visão. Não me considero, nem de longe, um dos entusiastas da Internet. Esconjuro o engajamento que faz ver na "rede" o caminho da redenção. Apenas entendo que hoje, um grante contingente da população mundial - especialmente o mais jovem - simplesmente "vive", boa parte de sua vida, em comunidades virtuais. Não estou dizendo que se "comunicam" pela Internet, estou dizendo que dedicam sua "existência concreta" às relações propiciadas pela rede.
Estou falando de um tempo em que a Internet não é apenas meio de comunicação como o rádio e a TV. Pensar assim é o prenúncio do conflito entre as gerações.
Entendo que, simplesmente, existe hoje uma desterritorialização da experiência humana. Se gosto ou não disso, resolvo com o meu analista. O fato é que as pessoas fazem amigos, negócios, tarefas, compras e sexo num não-local. Para muitas pessoas, os buracos das ruas importam menos do que a qualidade da conexão naquele espaço e isso é uma preocupação da vida real. Quer dizer: pessoas vivem de verdade no que poderíamos chamar de não-território e, nem por isso, são menos pessoas.
Vivendo, realmente, no não-espaço, é de se esperar que também alí a política - ou seja lá o novo nome que queiramos dar à acomodação dos conflitos humanos - aflore como sempre ela aflorou onde pessoas convivem.
Esse é o distúrbio de visão: liberar a Internet como meio de comunicação política não significa entender sua dimensão como novo local de vivência humana e, portanto, de consequencias políticas.
Aguardo alguém que perceba a gravidade da questão.

sábado, 12 de setembro de 2009

Escrever no seu blog é quase sempre jogar dúvidas e certezas ao vento.
Que seja. Gosto de pensar, contudo, que existe algo entre a dúvida e a certeza e que o vento, quando menos, espalha. Às vezes semeia.
Nem sempre sabemos o que dizer. Raramente a quem dizer.
Que seja. Gosto de dizer o que ainda não sei e gosto de pensar que, às vezes, sei o que digo mesmo assim. Não me importa que não saiba a quem digo, dizer a quem não sou eu mesmo já me conforta.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Como criar uma Teoria da Conspiração

1.Elege-se um tema sobre o qual já existe um senso comum. Um assunto que dispense apresentação ou maiores esclarecimentos. Parte-se, assim, de uma temática cujo entendimento o publico julga possuir, embora não seja capaz de identificar sua fonte.

2.Desenvolve-se uma teoria em que o senso comum, da maneira como está instituído, corrobora interesses de um determinado grupo de agentes que conspiram para evitar que a verdade venha a tona. A teoria não é apresentada ao público.

3.Sem atacar frontalmente o senso comum e com isso promover a retração do público que se abrigará em suas convicções - mesmo que precárias - inicia-se um cauteloso processo de questionamento. Incute-se a dúvida sutilmente no público, sugerindo, com exemplos contrários, que talvez a versão conhecida não seja totalmente verdadeira. Utilizam-se aqui os mais diversos truques retóricos, ou aquilo que Arthur Shopenhauer classificou como Dialética Erística.

4.Apresenta-se a dificuldade em conseguir informações que permitam construir uma outra explicação para a questão. Ao mesmo tempo evidencia-se a presença de um ou mais membros da conspiração nos episódios que envolvem o tema.

5.Os agentes externos são radiografados e seus interesses são revelados. Apresenta-se uma nova teoria explicativa para o fenômeno. Segundo a nova teoria, os agentes são os grandes responsáveis pelo embotamento do público

6.Mostra-se a coincidência entre o senso comum sobre o tema e os interesses dos conspiradores. Apresenta-se também a capacidade do agente de influenciar a opinião pública e de promover a cristalização da versão consagrada e interessada.

7.Reforça-se a dúvida no público fazendo-o sentir-se tolo e manipulado.

domingo, 30 de agosto de 2009

Camarada Moscou

Quando criança não nutria muita simpatia por gatos. E, desde criança, menos ainda por pessoas que os maltratavam.
Passei a gostar deles quando, em meu romance Rafael Descobre Tudo, apareceu o Sr. Tolstoi, um gato cuja raça não sei se cheguei a definir. A simpatia pelo meu próprio personagem motivou-me a adotar Havana, uma linda e geniosa gata siamesa. Embora Havana já morasse comigo há algum tempo, foi Polyana, minha mulher, quem me fez conhecê-la e me apaixonar definitivamente por elas e pelos gatos. Acho que entendi sua complexidade, aprendi a respeitar seu tempo, apreciar seu engenho e desfrutar intensamente de seu carinho.
Vivemos um tempo no meio do mato, só os três. Ainda não conheço linguagem que me permita compartilhar o que foi aquilo. Voltamos porque sim.
Em São Paulo outra vez, passamos a pensar que Havana precisava também de uma companhia da sua espécie.
Um dia, em visita familiar, minha mãe narrou seu estranhamento quanto a um miado que parecia vir do motor de seu carro. Levou-nos, então, ao quintal e mostrou-nos uma gatinha suja e cheia de marcas da rua que, realmente, alojara-se no motor de seu carro e agora milagrosa e tranquilamente tomava um pouco de leite num potinho de manteiga adaptado.
Sem que precisássemos falar a respeito, no dia seguinte já estávamos, Polyana e eu, tentando socializar Misk e Havana no terraço de nosso apartamento.
Algumas semanas depois, Moscou e Havana pareciam irmãos ou amigos de velha data. Já sabíamos, então, que Moscou não era uma gatinha.
Isso tudo aconteceu faz quase dois anos. Moscou virou um gato grande, belo e forte. Um camarada gentil, humilde, sensível e sábio como poucas pessoas um dia serão. Um companheiro dos que desejo a todos os meus poucos companheiros.
Soubemos, essa semana, por conta de um prolongado acabrunhamento, daqueles que entendo e respeito, que o Moscou está com Leucemia. É virótico e contagioso. Provavelmente a Havana também esteja, embora pareça mais altiva.
Não sabemos nada do futuro, mas agora a tristeza é triste, triste, triste mesmo. Como era triste abandonar uma deliciosa brincadeira no tempo em que eu era criança e não nutria muita simpatia por gatos.
Quando penso nas coisas bonitas da vida que quero apresentar para a minha filha que está chegando não sei bem de onde, penso que o Moscou é uma delas.
Combinei com o soldado Moscou que ele não pode vacilar nessa missão. Mas, se ele não conseguir, condecoro meu camarada, mesmo assim, com as mais altas honrarias.

domingo, 16 de agosto de 2009

A doença de Fidel

Não posso mais guardar esse segredo! E estou disposto às conseqüências que essa revelação me trará. Fidel Castro não está doente, ao contrário, goza de um vigor apenas comparável ao que tinha ainda na Sierra Maestra no ano de 1958.
Encontramo-nos no último dia 21 de Julho de 2009 no café Le Dome em Montparnasse, Paris. Estávamos minha mulher, eu, um renomado escritor cubano com sua esposa e Fidel com uma bela e jovem amiga. Havia também, pelos arredores, uma discretíssima dupla de seguranças. Obviamente o Comandante não se fazia reconhecer, embora chamasse a atenção pela distinta elegância. Sr. Oscar era como deveríamos chamá-lo em público e era como estava em seu passaporte dominicano. Estava sem barba, com um terno de linho cru e um chapéu Panamá de incrível maciez. Portava um bengala fina com cabo de marfim e uma topázio bruto encrustado. Disse que foi presente pessoal de um diplomata turco recebido em Havana em 1972; pertenceu a um sultão cujo nome não consegui guardar.
Tomamos todos, no melhor estilo do verão parisino, Pernod com água Badoit e gelo. O amigo escritor, porém, fez questão de profanar o ritual pedindo também uma taça de vinho rosé. Napoleão certamente cuspiria, ao primeiro gole, aquela vulgar poção. Fidel, no entanto, provou e não achou tão ruim. Confessou que, por puro preconceito, nunca havia tomado o rosé.
Prefiro não entrar em detalhes sobre a razão do encontro ou, ao menos, não sobre o sentido da minha presença na tal tertúlia. Esclareço, apenas, que fazia parte de nossas tratativas não falarmos nem de política, nem de religião e nem de baisebol. Também não seria tolerada qualquer palavra sobre meu avô ou, menos ainda, sobre o irmão dele. Mesmo assim, com o secar da garrafa, fomos falamos um pouco sobre tudo isso. Mas tratamos de muitos outros e mais atuais assuntos. Fiquei surpreso ao saber que até sobre a Cásper Líbero, “Oscar” tinha algo a dizer. Nada muito relevante, apenas impressões colhidas durante entrevistas concedidas a um ou dois velhos jornalistas brasileiros que passaram pela casa. Impressionaram-me, porém, os detalhes, por vezes reveladores, guardados na memória.
Fidel permaneceria em Paris apenas até o dia seguinte, depois embarcava para Salvador na Bahia em vôo comercial e, de lá seguia para Assunción, onde compareceria a uma cerimônia de batizado, a primeira além da sua própria em que estaria presente. Estava ansioso com o evento que seria coordenado por um velho amigo de pouca expressão. Sabia de quem se tratava e aproveitei para enviar, por ele, minhas felicitações pela tardia paternidade. Esclareço, para evitar especulações, que não se tratava de Lugo.
A história do trivial batizado que tanto excitava o Comandante acabou derivando para aquilo que considero, o mais significativo daquele encontro. Num dado momento, meio sem pensar, perguntei a queima roupa, por que é que ele estava deixando o mundo inteiro naquela angustia, para o bem e para o mal, sobre o seu estado de saúde, enquanto ocupava-se de uma cerimônia de batizado. Lembrei do rei espanhol que simulou seu próprio velório para testar a devoção dos súditos e perguntei se tratava-se da mesma vaidade.
Tive um certo arrependimento ao ver que as primeiras lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Fidel. Polyana, minha mulher, tentou amenizar mostrando-nos, atrás de mim, uma foto de Picasso ao lado do velho garçom que nos servia. Não adiantou, Fidel iniciou, já emocionado, um daqueles discurso que o caracterizam. Falou de seus sonhos sobre Cuba e os cubanos; dos livros que o encantaram; dos amores que adiou; das “mierdas” que fez e tolerou; das noites mal dormidas; da incompreensão que o vitimou. Falou, quase uma hora, das mudanças que o mundo sofreu e mais outra hora de sua impossibilidade de compreender o ser humano. Por fim, enxugou os olhos e disse que agora queria viver, incógnito, um pouco de tudo aquilo que renunciou e combateu. Disse que, assim, todos pensando que convalescia em sua residência havaneira, poderia finalmente andar pelo mundo e ver, em seus últimos anos de vida, as grandes coisas que impediram o seu pleno triunfo . Concluiu, restabelecido e bem humorado, dizendo à Polyana que o garçom não parecia ter envelhecido tanto quanto ele. Falou que servir turistas intelectuais talvez seja uma tarefa menos desgastante do que tentar mudar o mundo e os homens. Corrigiu ainda a fala dizendo, meio sem graça, “o mundo, os homens ‘e as mulheres’, é claro”.
O rumo da prosa mudou, Fidel falou que na manhã seguinte ainda fariam, ele a e amiga, um passeio de barco pelo Sena, brincou, em confissão, que faltava muito para que Havana fosse mesmo a Paris do Caribe, “mas, venceremos!”, disse em tom oficial.
O amigo cubano fez questão de pagar a conta. Nos despedimos na boca do metrô Montparnasse. Ficamos, Polyana e Eu, de tentar reencontrar Fidel e sua amiga em Istambul quinze dias depois.
Em Istambul, um litígio com certo taxista acabou nos levando à delegacia e acabamos perdendo o encontro. No dia seguinte viajamos ao Chipre e não tivemos mais noticias dos amigos.
No Brasil os jornais publicaram que durante a inesperada visita de Raul Castro à Bahia, dona Dirce dos Santos afirmava ter visto Fidel Castro ao lado de uma moça nova e com um copo na mão. Não era mentira.

sábado, 1 de agosto de 2009

Aventura no Chipre

Fascinados com a magnífica Istambul, Polyana - no quinto mês de gestação - e eu embarcamos em direção a Erkan, no lado turco do Chipre. Nossa idéia de lado turco e lado grego não era mesmo muito científica, tampouco parecia tão ingênua. As informações disponíveis não davam conta da verdadeira magnitude da divisão.
Precisavamos chegar a Nicosia, capital do país, que estava algumas dezenas de quilômetros de onde desembarcamos. De lá pegaríamos um carro para cruzar a ilha até Paphos, berço de Afodite, nosso destino final. Até então não havia explicação para não termos conseguido uma passagem direta de Istambul para Nicosia ou para Paphos. Todas as disponíveis nos levariam primeiro a Londres, o que parecia não ter o menor sentido já que estávamos a menos de duas horas do Chipre. Sendo assim, optamos pelo que parecia mais sensato: escolher um destino cipriota qualquer e, de lá, por terra, nos arranjarmos para atingir nosso objetivo.
Ao chegarmos em Erkan, as coisas começaram a se esclarecer. Embora estivéssemos próximos da capital, não havia meio de transporte oficial até lá. Estávamos do lado turco da ilha, ocupado militarmente desde 1974. Aquele pedaço é, na verdade, um enclave turco no Chipre não reconhecido internacionalmente. As relações diplomáticas entre os dois lados, guardadas as proporções e peculiariadades históricas, são como as das duas Coréias. Cruzar a fronteira, então, tornou-se uma operação mais complexa e mais delicada.
Após negociações em condições desfavoráveis, conseguimos um motorista com duas identidades que se dispôs a realizar o nosso transporte através da fronteira. Entre outras coisas, a operação exigiu uma parada para a substituição da placa do veículo, afim de que ele pudesse circular do lado grego. Num dos três postos da aduana fui convocado a deliberar sobre permitir ou não o carimbo de entrada em nossos passaportes. Embora a questão causasse espécie, achei que a negativa se tratava de uma precaução que nos preservaria diante das autoridades turcas caso retornássemos pelo mesmo caminho. Como não seria o caso, por reflexo e felizmente, permiti os tais carimbos.
Três horas depois do desembarque, tendo percorrido um longo, árido e tenso trajeto, saímos do Hotel Hilton com um carro alugado para finalmente iniciar aquilo que deveria ser uma belíssima viagem pela costa da ilha mitológica até a maravilhosa cidade de Paphos.
Qual o quê! Além do Chipre adotar o trafego de mão inglesa, possui estradas movimentadíssimas, de alta velocidade e que se estendem apenas pelo interior desértico do país.
Depois de duas horas de silêncio, mãos úmidas e paisagens atacâmicas, chegamos finalmente a Paphos. O sonhado paraíso era como um ibernal subúrbio de Londres. A colonização inglesa tardia tinha dixado suas piores marcas: frieza, maximização de dividendos, pouca procupação estética e desprezo absoluto pela população local.
Tratava-se de um balneário decadente e de grande magnitude - o que é mais assustador -, para onde se destinavam ingleses de classe média, brancos, mal-tatuados e fartos em busca de sol, qualquer sol.
O mito de Afrodite havia criado um fluxo de turistas britânicos casadoiros, que para lá se dirigiam em busca de matrimônios abençoados. Mas isso deve ter tido seu alge nos anos setenta e o que encontramos, na verdade, foi apenas o patético rescaldo dessa mística. Chegamos a presenciar um grotesco casamento praianano com inglesas vestidas de longo, e nos servimos de - outrora glamurosas - limusines sucateadas convertidas em taxis comuns.
Hospedamo-nos num grande hotel, que em algum momento também teve seus dias de glória, mas encontrava-se largado às traças e a outros insetos desconhecidos com aparência menos inofensiva.
Tudo, enfim, era péssimo! Para completar, soubemos que, no Brasil, nosso querido gato e amigo, Moscou, estava muito doente, porém sem diagnóstico. Pareceu-nos, então, que não conseguiríamos permanecer alí o tempo que havíamos previsto. Mesmo assim, como acontece com que viaja com a companhia certa, resistimos e acabamos desfrutando. Conhecemos poucas e boas pessoas; rimos de nossa desgraça gastronômica; nos apropriamos de um digno e curioso pedaço de praia; comemoramos êxitos cotidianos e fugazes em lavanderias e cyber-cafés e, afinal, passamos pelo menos um dia no Cripre que habitava nossa imaginação: um sítio arqueológico com ruinas gregas clássicas; calor mediterrâneo; árvores com flores belas e perfumadas e o mar de Ulisses ao fundo. Simplesmente indescritível!
Retornar, também não foi tarefa fácil. Quando tentávamos embarcar para Athenas, no aeroporto internacional de Phaphos, os oficiais da aduana não encontravam nosso registro de entrada em seus computadores. É claro que que não encontrariam, afinal, entramos no país por um caminho não convencional e de maneira quase clandestina. Após uma hora de tensão e espera, sem que o "sistema" encontrasse solução automática, só fomos liberados porque em nossos passaportes havia carimbos oficiais de entrada: aqueles que, na fronteira, consenti no susto. Embarcamos, assim, aliviados e felizes para a Grécia.
Moral da história: não recomendamos aos amigos visitar o Chipre, mas nós voltaremos.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Fim da exigência do diploma de jornalista

Na semana passada esse assunto foi discutido por muita gente. Muito mais gente do que normalmente vemos discutindo se existe ou não necessidade de diploma para contadores ou analistas de sistemas. Esse me parece um traço marcante de todas as polêmicas de interesse da classe jornalista: tendem a ser transformadas em temática de preocupação geral. Como se todo cidadão devesse se mobilizar pela causa. Como se a exigência do diploma de jornalista fosse algum tipo de garantia democrática para toda a nação. Besteira. Trata-se de uma disputa entre grandes corporações de informação de um lado e uma categoria fragmentada e desmobilizada do outro. Nesse sentido há sim que se lamentar, mas como é lamentável a derrota de qualquer categoria profissional diante dos interesses do capital, não mais.
Para o receptor dificilmente algo irá mudar, pode-se continuar esperando a mesma qualidade de informação oferecida atualmente pelos grupos Abril, Folha, Estado, Globo, Record, etc. Para os estudantes de jornalismo, tampouco haverá grandes mudanças: sobreviverão no mercado apenas aqueles que oferecerem, na forma e no conteúdo, aquilo que o mercado quer, tenha isso sido adquirido numa sala de faculdade, numa seção espírita, um num curso de adestramento de focas. Talvez haja alguma vantagem para os alunos de faculdades medíocres, esses podem abandonar de vez a ilusão do diploma, ou então concluir o investimento apenas para poder depois prestar um concurso público. Aliás, ouvi muitos diplomados propagando que a decisão do STJ acabava até com a possibilidade de jornalista prestar concurso para nível superior. Pode ser “maucaratismo”, desinformação ou simples falta de checagem, mas uma coisa não tem nada a ver com a outra, o jornalista continua sendo um profissional de nível superior, como o publicitário, o historiador ou o desenhista industrial.
As faculdades de jornalismo essas sim deverão ser afetadas pela decisão, tanto as ruins quanto as boas. As ruins, também conhecidas como “diplomadoras”, terão de arrumar outros atrativos para os cursos ou, então, assistir ao próprio fim. As boas deverão, desde logo, protagonizar o processo de reflexão sobre o objeto e sobre o fazer jornalístico; sobre o campo do jornalismo e principalmente sobre o seu grau de autonomia em relação ao mercado.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Camelôs, um complexo mecanismo

Sempre que se discute a questão dos vendedores ambulantes da cidade de São Paulo a polêmica é certa e intensa. É assim desde o séc XVIII quando senhoras brancas colocavam suas escravas de ganho para vender quitutes na região central, gerando protestos dos transeuntes. Ou quando os estudantes do Largo São Francisco, investindo suas mesadas, abarrotavam o passeio com seus escravos vendeores de qualquer bugiganga. Ou ainda quando, durante o séc XIX, produtores do interior traziam seus produtos para serem vendidos nas ruas do centro provocando grande confusão, embora a prática fosse fundamental para o abastecimento da cidade.
O grande problema é que a venda de produtos nas ruas, embora legitimada pelo direito humano ao trabalho, traz alguns inconvenientes de não pouca gravidade: apropriação indevida do espaço público; concorrência desigual com os comerciantes devidamente estabelecidos; perda de arrecadação; descontrole sanitário... entre outras coisas.
Há tempo o poder público vem falhando na solução da questão. Acredito que parte do fracasso deve-se a insistência dos governantes em considerar os ambulantes como um grupo homogêneo e realizar, assim, políticas públicas também homegêneas. Parte-se do princípio que os ambulantes ou são absolutos desvalidos lutando para sobreviver, ou então, são a linha de frente do crime organizado. Pensando assim, as iniciativas sempre se reduziaram ou à assistência social ou à repressão.
Sugiro uma nova abordagem segundo a qual os vendedores ambulantes da cidade sejam percebidos de forma matizada: há os desvalidos e há também os criminais. E, entre este e aquele, existem outros grupos, como por exemplo o dos jovens abulantes que anseiam por outras oportunidades; o dos comerciantes profissionais satisfeitos com seus ganhos e pouco dispostos a se formalizar e o dos sexagenários e portadores de deficiências cuja atividade é permitida e regulamentada pelo próprio governo. Como reparar esse complexo mecanismo com uma única ferramenta política?
Percebendo diferenças e sutilezas, será possível pensar em políticas dirigidas e coordenadas que poderão representar algum avanço efetivo na solução do problema.