sábado, 5 de dezembro de 2009

O professor que se matou


Não vou discutir aqui as graves questões psicológicas não resolvidas que levaram o pobre a essa tão desesperançada e deselegante atitude que é atirar-se do nono andar de um prédio antigo e charmoso do bairro da Pompéia. Se não estivesse tão cheio de convites naquele sábado, estou certo de que tomaríamos juntos aquela mesma garrafa de vinho e criaríamos uma teoria qualquer ou, então, pensaríamos num projeto revolucionário que lhe daria mais alguns meses de sobrevida. Bem, aconteceria mais dia, menos dia. Para quem vive esse eterno vazio teimando em pensar a respeito, é só uma questão de tempo, uma hora sua agenda não bate com a do seu melhor amigo e você então acaba fazendo o que pensou fazer tantas vezes. Não perdôo, contudo, o descuido estético nesse caso, especialmente sendo quem era. Meu amigo, posso assegurar, conhecia a biografia de diversos personagens infelizes que souberam pôr termo a suas vidas de maneira mais bela e mais literária. Cheguei a desconfiar até de seu tão apregoado apreço pelo jovem Werther. Confesso que acompanhar os legistas causou-me mais decepção do que repulsa.
Gostaria mesmo é de falar sobre o seu lindo romance, a obra que justificaria sua existência e sobre a qual coversamos em tantas outras crises. Uma história incrível, como nunca ouvi, narrada de uma forma realmente original. Acontece que, ao vasculhar seus pertences e arquivos de computador, não encontrei uma linha sequer sobre a história do poeta que sequestrou e manteve deus no cativeiro durante 21 dias. Ouvi durante mais de quatro anos os detalhes sobre as negociações do poeta com os diversos públicos interessados em pagar o resgate: capitalistas, comunistas, filósofos, cientistas, diplomatas, juristas, médicos, companhias de seguro, padres, rabinos, bancos e ongs. Cheguei a me emocionar com um apelo do próprio diabo desesperado. Mas o maldito mentia. Nada. Ele não escreveu absolutamente nada sobre a história que poderia ter dado sentido a sua vida e a sua morte.
Reproduzo, então, simplesmente, o bilhete de despedida que encontrei sob a última taça de vinho do meu colega professor:

"Não sei quantas faltas vocês têm, fodam-se vocês, seus estágios e seus chefes, fodam-se seus pais também; minhas avaliações foram medíocres, eu fui um professor medíocre, esse sistema de ensino é medíocre e vocês menos do que isso. Desliguem os celulares. Parem de arrumar desculpas. Diretor, vá tomar no seu cu, seu bosta. Colegas, vocês precisam ler um livro urgentemente. Qual? Qualquer um! Dona Joana, fique com a Samanta, ela gosta da senhora. Net e Mastercard, desistam, eu não vou pagar! Melhor nessa vida era ter sido vigia noturno".

Lamento, mais uma vez, a perda de compostura do meu colega professor. Jamais esperaria tanta vulgaridade da parte de um sujeito tão nobre. Na minha opinião, nem a morte redimirá tamanho desalinho.

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