terça-feira, 28 de agosto de 2007

Espécie degradada em planeta preservado

Acho muito bom que parte da humanidade esteja tão preocupada com a salvação do nosso planeta, mas confesso que, também quanto a essa possibilidade, sou hoje bastante cético. Não tenho culpa, pois sou do tempo em que a grande utopia era bem mais simples: queríamos apenas que todos os terráquios tivessem comida, água, um teto, saúde e educação para então poder criar e sonhar. Não chegamos nem perto disso e não faltou quem apontasse a nossa infantilidade, nosso delírio e nossa incapacidade de viver a realidade; se tivesse que apresentar alguns dos principais terapeutas do período, diria que os bancos e as grandes empresas encabeçavam a lista.
Por enquanto sou apenas cético com relação a essa nova utopia, mas se as coisas continuarem como andam, logo serei chamado de reacionário insano, de inimigo do povo e de verdugo da natureza; equivalente a infantil, delirante e incapaz de viver a realidade. É que ando cada vaz mais atordoado e impaciente com a gritaria ecológica. De uns tempos para cá, ouço os pastores do novo credo alardeando enfática e performaticamente a danação que aguarda o infiel. No rádio me perguntam seriamente se já plantei uma árvore hoje; na tv a computação gráfica me mostra como estará o planeta em 60.000 anos se eu não der um jeito de desintegrar minha garrafa de água com gás; se jogo óleo no ralo da pia, amigos e parentes sensíveis e engajados me apontam o dedo e lançam seu olhar indignado, com aquela superioridade dos agraciados pela revelação do espírito santo...
O que tem mais me inflamado, porém, é perceber que ninguém fala de tudo isso com mais autoridade moral do que justamente os bancos e as grandes empresas. Aqueles que nunca se deixaram seduzir pela utopia do terráquio, mostram-se agora os verdadeiros apóstolos da utopia da terra. Como se os seus talões de cheques com papel reciclado fossem a multiplicação dos peixes. Tendo a desconfiar da sua conversão e da verdade que propagam e nada mais irritante do que a discarada falsidade de um profeta. Não consigo efetivamente crer que a força motriz desse gigantesco mecanismo seja mesmo a tomada de consciência quanto à degradação ambiental.
Continuo pensando que o apreço pelo planeta tem que guardar vínculos com o apreço pelos seres que nele habitam, caso contrário é ingênuo, é inútil, é mentira. Definitivamente não me fascina a idéia de uma espécie degradada e incapaz de equacionar seus problemas mais elementares vivendo num lindo planeta preservado.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Uma idéia

Tem uma idéia que já está me atormentando faz tempo. Divulgo-a para que algum empreendendor ganhe logo muito dinheiro com isso e me liberte dessa ilusão de que um dia eu mesmo o farei. É bem simples: que, a partir de um convênio entre por exemplo a Editora Nova Fronteira que publica o Dicionário Aurélio e a operadora Vivo de telefonia, fosse possível consultar o significado de uma palavra através de uma mensagem pelo telefone celular. Um dicionário eletrônico via celular; simples, útil, rentável e estou certo, muito mais fácil de colocar em funcionamento do que a maior parte dos serviços hoje ofertados.

Os Thibault

Estou economizando as páginas do quinto e último volume de Os Thibault de Roger Martin du Gard. Embora o autor tenha sido Nobel de Literatura em 1937, sua obra não goza no Brasil, nem no meio literário, de grande prestígio. Certamente é mais glamuroso fazer qualquer citação de No Caminho de Swann de Marcel Proust, para ficar nos franceses, do que de Os Thibault. É verdade que são coisas bem diferentes, é verdade também que Proust é capaz de prodígios literários em cada sentença. Mas acho curioso que uma obra como a de Roger Martin, tão envolvente, profunda e despretenciosamente elegante, seja tão pouco conhecida. Se não existisse grande mérito no estilo competente, ainda assim restaria a história e a psicologia daquele que talvez tenha sido o maior drama vivido pela humanidade: a Primeira Guerra Mundial.
O Autor consegue recompor, a partir da história de dois irmãos, os dias que antecederam a grande guerra. Sonhos, valores e instituições de uma época vão sendo sugados, lenta e indefensavelmente por um imenso e implacável triturador cujo acionamento parece não ter autoria. Apetites econômicos disfarçados, tunfos diplomáticos, patriotismo ignóbil, apatia socialista e densas relações humanas caminham juntos até o ponto sem volta em que todos são indistintamente dilacerados pela guerra. Em meio a tudo isso Jacques Thibault busca meios para fazer repercutir a simples e brilhante idéia de que não precisa ser assim se nós não quisermos.
Por reavivar essa esperança e pela inesquecível lição de história Os Thibault são trapo de fina tecelagem.

Trapeiro

O trapeiro é aquele que anda pela vida recolhendo trapos, fragmentos, sucata... Sou eu quando elaboro minhas idéias, invento minhas crenças e componho minhas falas; trapos, fragmentos e sucata que também vou deixando pelo caminho, pode ser que sirvam a outros trapeiros.