sábado, 1 de agosto de 2009

Aventura no Chipre

Fascinados com a magnífica Istambul, Polyana - no quinto mês de gestação - e eu embarcamos em direção a Erkan, no lado turco do Chipre. Nossa idéia de lado turco e lado grego não era mesmo muito científica, tampouco parecia tão ingênua. As informações disponíveis não davam conta da verdadeira magnitude da divisão.
Precisavamos chegar a Nicosia, capital do país, que estava algumas dezenas de quilômetros de onde desembarcamos. De lá pegaríamos um carro para cruzar a ilha até Paphos, berço de Afodite, nosso destino final. Até então não havia explicação para não termos conseguido uma passagem direta de Istambul para Nicosia ou para Paphos. Todas as disponíveis nos levariam primeiro a Londres, o que parecia não ter o menor sentido já que estávamos a menos de duas horas do Chipre. Sendo assim, optamos pelo que parecia mais sensato: escolher um destino cipriota qualquer e, de lá, por terra, nos arranjarmos para atingir nosso objetivo.
Ao chegarmos em Erkan, as coisas começaram a se esclarecer. Embora estivéssemos próximos da capital, não havia meio de transporte oficial até lá. Estávamos do lado turco da ilha, ocupado militarmente desde 1974. Aquele pedaço é, na verdade, um enclave turco no Chipre não reconhecido internacionalmente. As relações diplomáticas entre os dois lados, guardadas as proporções e peculiariadades históricas, são como as das duas Coréias. Cruzar a fronteira, então, tornou-se uma operação mais complexa e mais delicada.
Após negociações em condições desfavoráveis, conseguimos um motorista com duas identidades que se dispôs a realizar o nosso transporte através da fronteira. Entre outras coisas, a operação exigiu uma parada para a substituição da placa do veículo, afim de que ele pudesse circular do lado grego. Num dos três postos da aduana fui convocado a deliberar sobre permitir ou não o carimbo de entrada em nossos passaportes. Embora a questão causasse espécie, achei que a negativa se tratava de uma precaução que nos preservaria diante das autoridades turcas caso retornássemos pelo mesmo caminho. Como não seria o caso, por reflexo e felizmente, permiti os tais carimbos.
Três horas depois do desembarque, tendo percorrido um longo, árido e tenso trajeto, saímos do Hotel Hilton com um carro alugado para finalmente iniciar aquilo que deveria ser uma belíssima viagem pela costa da ilha mitológica até a maravilhosa cidade de Paphos.
Qual o quê! Além do Chipre adotar o trafego de mão inglesa, possui estradas movimentadíssimas, de alta velocidade e que se estendem apenas pelo interior desértico do país.
Depois de duas horas de silêncio, mãos úmidas e paisagens atacâmicas, chegamos finalmente a Paphos. O sonhado paraíso era como um ibernal subúrbio de Londres. A colonização inglesa tardia tinha dixado suas piores marcas: frieza, maximização de dividendos, pouca procupação estética e desprezo absoluto pela população local.
Tratava-se de um balneário decadente e de grande magnitude - o que é mais assustador -, para onde se destinavam ingleses de classe média, brancos, mal-tatuados e fartos em busca de sol, qualquer sol.
O mito de Afrodite havia criado um fluxo de turistas britânicos casadoiros, que para lá se dirigiam em busca de matrimônios abençoados. Mas isso deve ter tido seu alge nos anos setenta e o que encontramos, na verdade, foi apenas o patético rescaldo dessa mística. Chegamos a presenciar um grotesco casamento praianano com inglesas vestidas de longo, e nos servimos de - outrora glamurosas - limusines sucateadas convertidas em taxis comuns.
Hospedamo-nos num grande hotel, que em algum momento também teve seus dias de glória, mas encontrava-se largado às traças e a outros insetos desconhecidos com aparência menos inofensiva.
Tudo, enfim, era péssimo! Para completar, soubemos que, no Brasil, nosso querido gato e amigo, Moscou, estava muito doente, porém sem diagnóstico. Pareceu-nos, então, que não conseguiríamos permanecer alí o tempo que havíamos previsto. Mesmo assim, como acontece com que viaja com a companhia certa, resistimos e acabamos desfrutando. Conhecemos poucas e boas pessoas; rimos de nossa desgraça gastronômica; nos apropriamos de um digno e curioso pedaço de praia; comemoramos êxitos cotidianos e fugazes em lavanderias e cyber-cafés e, afinal, passamos pelo menos um dia no Cripre que habitava nossa imaginação: um sítio arqueológico com ruinas gregas clássicas; calor mediterrâneo; árvores com flores belas e perfumadas e o mar de Ulisses ao fundo. Simplesmente indescritível!
Retornar, também não foi tarefa fácil. Quando tentávamos embarcar para Athenas, no aeroporto internacional de Phaphos, os oficiais da aduana não encontravam nosso registro de entrada em seus computadores. É claro que que não encontrariam, afinal, entramos no país por um caminho não convencional e de maneira quase clandestina. Após uma hora de tensão e espera, sem que o "sistema" encontrasse solução automática, só fomos liberados porque em nossos passaportes havia carimbos oficiais de entrada: aqueles que, na fronteira, consenti no susto. Embarcamos, assim, aliviados e felizes para a Grécia.
Moral da história: não recomendamos aos amigos visitar o Chipre, mas nós voltaremos.

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