domingo, 16 de outubro de 2011

Sobre a Solidão

Uma bela, conhecida e talentosa atriz de cinema, que quando mais jovem era repórter de uma extinta revista cultural francesa, foi certa vez incumbida de fazer uma matéria sobre a solidão. Na época eu mesmo havia obtido grande sucesso com meu segundo livro Lonely orgasm - with or without someone. Concordei em recebê-la para uma entrevista. Ainda vivia na Flórida e apenas ensaiava minha ruptura com o mundo acadêmico e com as rodas intelectuais.
Quando chegou, não me pareceu francesa, nem tampouco americana, diria que era latina. Soube logo que era um pouco dos três: pais franceses, noivo brasileiro e os últimos anos em San Franciso. Sua beleza, contudo, como se sabe, era clássica e universal.
Convidei-a para a varanda e logo Dolores serviu-nos dois daiquiris. Dolores sempre decidia o que servir com base no brilho do meu olhar e em função da luminosidade do dia... ou da noite. Jamais se enganava.
Teria ela vinte, vinte poucos anos e foi meu saudoso mastif, Gandolf, quem descobriu isso primeiro roubando logo seus afagos e revelendo suas meninices. Mas tinha já esse porte de mulher total, suficiente para o que se imaginar. Aliás, recentemente algum crítico tentou dizer algo parecido com isso por ocasião do Oscar de atriz coadjuvante que ela não recebeu.
Quando começou a falar, notei um leve tremor nos seus lábios que imaginei insegurança, depois percebi que não era. Na verdade percebi que era a insegurança dos meus próprios olhos titubeantes querendo fixar-se nos lábios dela.
Disse que já havia entrevistado um condenado à pena de morte; um presidente latinoamericano, uma viúva desconhecida; um monge do Tibet, um balonista canadense, uma poeta chinesa e um físico nuclear do Leste Europeu. Sempre com a pergunta: o que é a solidão? Segundo me disse, eu era o último e o único de quem esperava abordagem mais técnica.
Quis saber um pouco sobre o que disseram ous outros. A síntese de sua saga pela resposta foi: saber que a morte está tão perto e não ter com quem compartilhar o desespero; não ter em quem confiar; saber que ele nunca mais entrará por essa porta; condição necessária para saber de si; o silêncio do mundo; perder todos os medos, e nada que as nossas certezas não façam suportar.
Ao narrar-me o que ouviu, não o fez da forma resumida como apresento aqui. Ao contrário, anoiteceu e nos embreagamos enquanto ela descrevia as circunstâncias, os históricos e as sabedorias de cada um dos seus entrevistados respectivamente. Também rimos, trocamos impressões, quase confidências, tocamos as mãos um do outro e quase dançamos também. Pouco falei até então sobre solidão, ao menos me parece assim.
Completamente fascindo com a conversa, com a brisa da noite e com ela toda, preenchi, sem querer, uma rara pausa de silêncio, perguntando se nunca lhe ocorreu entrevistar um apaixonado antes de falar comigo.
"Como assim um apaixonado?"
"Sim, um apaixonado. É que talvez não haja quem saiba mais de solidão do que um apaixonado antes do primeiro beijo".


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