segunda-feira, 28 de julho de 2008

O ESPÍRITO CIENTÍFICO DO SÉC XIX


Talvez o primeiro pesquisador a reconhecer e apontar as diferenças entre um africano de origem banto da África Centro-Ocidental e um nagô ou iorubá vindo da África Central, tenha sido Francis de Castelnau. Na primeira metade do século XIX o naturalista, que nasceu em Londres em 1810, chefiou uma expedição pela América do Sul e, em 1848, foi cônsul da França no Brasil. Na Bahia entrevistou escravos africanos e acabou publicando em Paris o resultado de suas pesquisas. Recentemente a editora José Olympio publicou no Brasil as tais “Entrevistas com Escravos Africanos na Bahia Oitocentista”.
O pequeno volume de Castelnau é um documento importante para a historiográfica do negro no Brasil, na medida em que dá voz aos próprios indivíduos e compõe fragmentos de suas biografias. Por outro lado, o mesmo documento é um testemunho loquaz do espaço que o negro africano ocupa no imaginário europeu, não apenas no que diz respeito ao homem comum, mas especialmente à comunidade científica.
Por mais incrível que possa parecer, a motivação de Castelnau para suas entrevistas na Bahia foi o levantamento, junto aos negros locais, de informações sobre a precisa localização na África dos Niam-Niams, uma suposta tribo de homens pretos que possuíam rabos. Ainda que para o próprio cientista tal existência colocasse em xeque alguns dos paradigmas da ciência da época, o empenho existiu e foi recompensado com relatos preciosos e confirmatórios da absurda teratologia. Manuel ou Mahammah em haussá, um dos entrevistados, por exemplo, assim se refere aos Niam-Niams: “(...) e poucos dias depois, percebemos um bando dos selvagens niam-niams.” Castelnau continua a narrativa “Eles dormiam ao sol; os haussás aproximaram-se sem fazer barulho e os massacraram até o último; todos eles tinham caudas de quase quarenta centímetros de comprimento e que podiam ter de dois a três centímetros de diâmetro; este órgão é liso (...).
A hipótese de trabalho do cientista, vale reforçar, data do século XIX, mais de trezentos anos após o contato regular da Europa com a África, e não da época das grandes navegações quando ainda se temia os ciclopes e a grande correnteza que arrastaria para o abismo os navios que chegassem à linha do horizonte.
Desnecessário dizer que, a despeito dos “indícios“, a ciência natural européia não chegou a se comprometer mais metodicamente com o esclarecimento do mistério.

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