quinta-feira, 1 de julho de 2010

Gestos Impensados

Não sei porque ainda prezo tanto a razão. Não que ela não me ajude, não que não me salve muitas vezes. O problema é que devotar-se incondicionalmente a ela pode ser tão automático e nocivo quanto acender mais esse cigarro. Não é sempre que um, ou outro, nos traz desfrute. Muitas vezes é exatamente o contrário: vem a angústia e vem a tosse; vem o arrependimento e a dor de cabeça.
O Renascimento e o Iluminismo podem ser os grandes responsáveis por essa obsessão que temos alguns de nós pela racionalização. Mas o fato de não sermos tantos com esse vício tem sua parcela de responsabilidade. Fazer parte de um time reduzido também exerce lá o seu fascínio. Se é para ser doente, é bem mais romântico uma boa tuberculose, do que um leve princípio de pneumonia.
A história, contudo, pode explicar sem necessariamente nos esclarecer. O sintoma pode ser fruto não da influência de Descartes, mas da nossa particular insegurança quanto às outras formas de conhecer o mundo, o que faz da razão um distinto, indispensável e legítimo aliado. É como se preferíssemos os certos equívocos do pensamento, aos riscos - para o bem e para o mal - da nossa incompreensível "intuição".
Uma vez, num café em São Petesburgo na Rússia, numa das Noites Brancas descritas por Dostoievisk, um grande amigo me disse: "já reparou que, por mais que planejemos, as coisas sempre saem diferentes?" Não, eu ainda não tinha reparado. Só agora começo a reparar.
Fazer o que eu não tinha pensado; falar o que eu não tinha ensaiado, com quem eu não tinha elegido; vestir o que eu não tinha combinado, para ir aonde eu não sabia; viver, enfim, o que eu não tinha roteirizado, tudo isso também funciona. Pelo menos, tanto quanto o contrário. Ou seja, a vida não está nem aí para a minha programação, mesmo que de vez em quando coincida com ela!
Em resumo, enquanto acendo outro cigarro, desejo me livrar do vício de pensar em tudo. Um gesto impensado, agora sei, pode mesmo tornar minha vida muito mais gostosa.

Um comentário:

Unknown disse...

Amei: "Um gesto impensado, agora sei, pode mesmo tornar minha vida muito mais gostosa"