sexta-feira, 16 de julho de 2010

Os voos de Ícaro

Estivemos em Brasília no último fim de semana. Em sua primeira viagem de avião, aos oito meses de idade, a Leila conquistou o público: dormiu quando o choro de criança aterrorizaria os já nervosos passageiros e circulou pelo corredor no meu colo, risonha e expressiva quando o tédio começava a tomar a aeronave.
Era só uma visita de família. Acabou sendo muito mais, inclusive nesse aspecto. Partilhamos experiências e desejos, trocamos angústias, confissões e preciosas receitas culinárias.
No domingo obtive licença e incentivo para visitar, só, mais um velho amigo desencontrado.
Ícaro, uma vez, quando eu tentava embarcar de Havana a São Paulo, com excesso de bagagem, estava atrás de mim na fila e salvou minha pele ao saber que eu estava contrabandeando apenas livros e alguns charutos. Fiquei agradecido e reconheci sua autoridade perante a segurança cubana. Trocamos telefones e ficamos amigos. Só depois soube que se tratava do polêmico engenheiro que soprou ao Lúcio Costa e ao Oscar Niemeyer a extravagante ideia de que a capital do Brasil deveria ser projetada como um avião. Isso não aparece nos registros históricos, talvez tenha acontecido numa mesa de bar. Mas não desconsidero a possibilidade de que a narrativa seja apenas fruto da inquieta imaginação de alguém que carrega a sina de ter o nome Ícaro.
O alcóolico e genial engenheiro Ícaro, de 93 anos de idade, recebeu-me, em sua bela casa do Lago Sul, como a um viajante dos tempos. Fez-me beber mais licor do que a minha licença autorizava. Falou-me da Flip, de Pitágoras, de realidade aumentada e do Calendário Maia. Depois disso conduziu-me a um porão, que é sua oficina, onde prometeu-me uma experiência inenarrável. Não acreditei. Mas estava enganado.
O que tento descrever, como anunciado, não é mesmo possível de narrar, mas insisto mesmo assim:
Ícaro me levou a uma câmera contígua a sua oficina. Entrei numa sala meio esférica e toda branca, onde só havia um grande e maravilhoso tapete iraniano Nahin azul. Ele pediu para que eu me sentasse no tapete e esperasse. Fiz como ele mandou. Logo, como num cinema 360 graus, em volta de mim apareceram imagens da catedral de Santa Sofia e da Mesquita Azul de Istambul. Na sequência, o tapete em que estava sentado começou a se mover para cima como se num elevador. As imagens tornaram-se dinâmicas e o tapete também. Perdi a sensação da gravidade e o tapete começou literalmente a voar por paisagens indescritíveis, não sei se do presente, do passado ou do futuro. Em pouco tempo senti-me como Aladim sobre o tapete mágico. Voei sobre desertos desconhecidos e metrópoles contemporâneas. Não fui capaz de perceber jogos de imagens projetadas e/ou engenharias hidráulicas. Voei como sempre quis voar, sobre um tapete como o das mil e umas noites. Melhor do que se tivesse asas.
Voei, finalmente sobre a Brasília e o Brasil de hoje e sobre eles mesmos em construção. Voei sobre os outros e sobre mim mesmo.
Não soube esclarecer, depois, ao Ícaro, qual foi minha experiência.
Obrigado querido Ícaro.

2 comentários:

crbrasil disse...

Caro Amigo.

Estive aqui.

Unknown disse...

Que mágico Newton.. deu até uma inveja branca/boa de você! heheh