Ilustração: Jo Fevereiro
Acho que estou perdendo o prazer de discutir. Falo de discutir no sentido de argumentar e ouvir argumentos afim de que os pensamentos originais sejam aprimorados. Percebo que essa prática, exercitada sempre com especial devoção, traz mais incompreensão do que entendimento, mais mágoa do que elevação.
Na realidade não é exatamente como vou tentar descrever, mas é quase. Quando discuto é como se as idéias tivessem autonomia. Como se não importasse o seu sujeito. Não que elas não carreguem consigo as minhas próprias vontades e desejos, mas a porção disso costuma ser menor. Trata-se mais do prazer, puro e simples, de assistir à batalha dos pensamentos como a gladiadores numa arena. Vale a beleza de cada golpe e de cada esquiva; valem o balé que os prenunciam e a bravura dos pensamentos mais débeis tentando resistir. Mas, nesse caso, não se trata de ganhar ou perder. Na verdade, ninguém perde.
Pois bem, mas esse espetáculo só é possível quando de fato não existe interesse subjetivo nem de uma parte, nem de outra. Quando não se está tentando conduzir o outro às cordas para com isso triunfar, provando que é sua, finalmente, a razão. E quando é que temos a oportunidade de discutir nessas condições? Isentos de nossos interesses com pessoas isentas também de seus interesses? Somos todos mais feios, barrigudos, malvados, burros e pobres do que gostaríamos. É bem provável que essas nossas inseguranças estejam sempre presentes no duelo dos argumentos. Perder a discussão é, então, fracassar de novo.
Estou certo de que o apreço cultivado pela argumentação, no meu caso não está vinculado a objetivos práticos. Não sou advogado e nem publicitário. Não ganho dinheiro e nem prestígio com a prestidigitação das idéias no campo profissional. Mas ao tentar praticar esse esporte com as pessoas do meu entorno, acabo perdendo energia, tempo e afetos.
O grande problema é que quase todo mundo, em algum momento, quer falar sério sobre algum assunto e eu, então, penso que se trata de um honesto en gard vindo de outro valoroso espadachim. Que nada! É outro civil do pensamento, que se acha mais feio, barrigudo, malvado, burro e pobre do que eu. Resultado: ao primeiro touché, lança o florete ao solo e saca logo a pistola. Sou obrigado a abandonar o embate tentando simplesmente preservar a pele. Mesmo assim, ainda fica a impressão de que sou impertinente, frio, implacável e, obviamente, sem razão.
Desnecessário dizer que reconheço as pouca-pouquíssimas exceções, mas como não quero esgotá-las por completo, pretendo apreciar, com mais moderação ainda, esse já tão raro prazer.