segunda-feira, 12 de abril de 2010

Jornalismo de Classe Média


Ilustração: Jo Fevereiro

Costumava atribuir os maiores males da imprensa brasileira à estrutura da própria e a sua participação na Indústria Cultural. Não descarto essa questão: são mesmo grandes conglomerados empresariais, ou aspirantes a, engajados no próprio business e na reprodução dos discursos e valores hegemônicos.
Mas, pensando um pouco na Microfísica do Poder de Foucault, tenho sentido maior incômodo ao perceber outros nós dessa grande teia. Um, particularmente, tem me agastado. Ando desconfiado que, passada uma era em que as redações eram povoadas por um operariado da informação minimamente consciente de suas possibilidades e de seu papel contra-hegemônico, hoje a notícia é produzida, quase exclusivamente, por uma pequena burguesia carreirista, mal-informada e bastante conservadora, quando não reacionária.
Cito como exemplo uma questão controvertida: a cobertura dos casos de pedofilia no clero. Vejo que na maior parte das matérias falta a mínima compreensão do problema real. A ênfase costuma reacair sobre a moralidade de padres, bispos e papas. Cobra-se posturas desses agentes; explora-se a indignação das pessoas e, às vezes, apela-se à psicologia de botequim para agravar os delitos praticados. Está errado. Não são essas as questões que deveriam absorver a energia de jovens jornalistas.
O cardeal Joseph Razinger não fez mais do que a sua obrigação ao compor com padres pedófilos quando ainda não era papa. Os bispos que fazem isso hoje, idem. Coisas assim sempre, repito, sempre aconteceram, vide Giovanni Bocaccio. Se o catolicismo atingiu o segundo milênio de existência foi justamente porque, ao longo da história, cagou e andou para o que pensavam os homens e suas instituições de cada tempo. A lógica sempre foi a de absorver com a mais absoluta parcimônia, se não tiver outro jeito, as demandas de cada tempo. Os ruídos se dissipam; as modas passam; as ideologias sucumbem e a igreja continua.
Pense na Reforma Protestante. Parte da humanidade protesta veementemente, e o que faz a igreja católica? Reafirma seus valores. E assim foi com as guerras, com as revoluções liberais e com as socialistas. "Tudo isso vai passar, como sempre passou e quando passar, eles voltarão, porque só aqui encontrarão certezas maiores do que as dos seus tempos sempre confusos" devem dizer acertadamente os dirigentes católicos, que operam dentro de outra temporalidade. "Não à camisinha e não ao aborto", seja em que tempo for. Trata-se apenas de manter a coerência interna e não a coerência com qualquer outra verdade científica, tão volúvel desde Ptolomeu até Einstein.
A qual forum estará então submetido um padre que cedeu às tentações que não pouparam nem Aquiles? Para isso existe o direito canônico, a confissão, os deslocamentos de diocese, as penitências e o silêncio imposto. Até a excomunhão, mas só em casos inadimissíveis, não nesses com os quais estão lidando a séculos, mas só agora resolvemos questionar.
Voltando à questão principal, é ingênuo insistir em cobrar satisfações de um padre pedófilo, ou de seus superiores. Eles já se confessaram e se penitenciaram, estão em paz, portanto. Indignar-se com suas respostas é ignorância e autoritarismo. Ignorância por desconhecer com quem se está lidando e, autoritarismo, por querer que operem dentro de uma moralidade que não é a deles.
Em nosso país e em nosso tempo pedofilia é crime, ponto. Temos um Estatuto da Criança e do Adolescente, é disso que se trata. Jornalistas sem preocupação de justificar o próprio catolicismo deveriam apontar seus teclados para o poder público e só para ele, se realmente veem isso como um flagelo e não como uma oportunidade de se destacar na profissão.
Nós não admitimos pedofilia, não importa se vem da família, dos astros da música, ou de uma coorporação milenar. E é o estado democrático que foi inventado justamente para disciplinar a minoria cuja moralidade não consegue conter, por si mesma, suas pulsões anti-sociais. Que os advogados de defesa se incumbam de apurar as razões e atenuantes quando houver. Se cobrar providências é papel da imprensa e acho que é, que cobre de quem pode tomar as providências que importam.
Entendo que talvez seja muito difícil para os novos jornalistas, ampliar sua compreensão sobre os problemas do mundo; questionar a própria moralidade; perceber-se como agente histórico e rever o estado em seus papéis, ao menos nos fundamentais. Afinal, é uma dificuldade bastante recorrente em toda a classe média.

4 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rodolfo Vianna disse...
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Rodolfo Vianna disse...

Realmente o tempo da Igreja Católica Apostólica Romana é outro: Cito uma frase de um cardeal francês conservador dita quando foi instaurado o Concílio do Vaticano II: "É o maior equívoco da história recente da Madre Igreja, e quando digo recente, refiro-me aos últimos 500 anos." Pois é... É a rígida coerência interna (e não emito aqui juízo de valor sobre essa coerência) que faz da Igreja Católica a instituição mais longeva da humanidade, para o bem e para o mal.

Rodrigo Fernandes disse...

São Gerônimo (se não me engano)era contra o sacramento do casamento, mas "para evitar a fornicação" ele pensou no caso...