quinta-feira, 8 de abril de 2010

Malefícios não ideológicos da concorrência


Ilustração: Jo Fevereiro


Sempre ouço falar das vantagens que a concorrência do sistema capitalista nos proporciona. Penso que quase todas enquadram-se em três categorias: diversidade, aprimoramento e preços dos produtos. A princípio, todas elas são mesmo vantagens, mas quando examino melhor aparecem as dúvidas.
Já não sei até que ponto os diversos produtos são feitos para melhor atender as nossas necessidades, ou se, no atual estágio da competitividade, são lançados objetivando a criação de novas necessidades, até então absolutamente desnecessárias. Não quero apelar às teorias econômicas para as quais o fenômeno é evidente desde o século XIX, proponho a experimentação empírica. Até que ponto precisamos mesmo de um sabonete para lavar as mãos, outro para os cotovelos, outro para as partes íntimas e um outro ainda para o resto do corpo ainda não esquartejado pela Johnsons ou pela Natura?
Aprecio café de tipo arábica cultivado em regiões montanhosas com média torrefação, mas confesso que não sou capaz de reconhecer a diferença entre um creme dental que proteje meus dentes contra 12 doenças bucais e outro que só me proteje de 9. A ciência, nesse caso, me parece evocada de maneira fundamentalista e obscurantista. Em outras palavras, qual é a nossa real condição de reconhecer o grau de aprimoramento do produto que compramos? Voltando ao "sabão"; muitos sequer reconhecem a diferença entre um sabonete normal e outro com 50% de creme hidratante; muitos, também, percebem que não há qualquer semelhança entre eles, mas quantos sinceramente podem argumentar a favor de um outro que promete 52,3% de creme hidratante? O propagado maior aprimoramento de um produto já não nos é mais sensível. Ou estaria apenas eu, interrompido em minha sensibilidade e espírito científico por minha condição de classe? Só "investi" na minha sensibilidade sobre o café, mas não tive grana para educá-la para as sutilezas da proteção dental e da hidratação cremal, é isso? Onde iremos parar? Na cientifização e/ou estetização do consumo de absolutamente todo produto, desde o vinho até o sapólio? Matemos por dinheiro, então! Pois só assim será possível sobreviver.
Por fim os preços. Diante de tudo isso, ainda que os preços possam se rebaixar com a concorrência, vem a grande pergunta: pelo que é, mesmo... que estamos pagando com a própria vida?

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