Ilustração: Jo Fevereiro
Quando fui catequizado, ensinaram que um dos dez mandamentos de deus era "não levantar falsos testemunhos", lembro que simplificavam o regulamento dizendo que tratava-se de "não mentir", mentira! Falso testemunho é uma coisa, mentira é outra. Etimologicamente testemunhar tem a ver com comprovar, o prefixo tem a ver também com testículos, como soube recentemente (prova de masculinidade). Não há nos mandamentos nenhuma proibição à mentira, até porque ela seria inócua. Não que as outras não sejam, mas essa seria inócua demais. Não é possível manter-se absolutamente fiel à verdade, seja porque não queremos; porque não conseguimos, ou simplesmente porque não há verdade.
Resolvi registrar aqui algumas ideias sobre a mentira que talvez desenvolva numa próxima vida, nessa provavelmente não terei tempo.
Acho que existem mentiras de tipologias diferentes, algumas inúteis, outras nocivas, outras indiferentes, outras inevitáveis... Poderia classificá-las mais ou menos assim: a) mentiras que reforçam minhas fantasias sobre mim mesmo; b) mentiras que reforçam minhas fantasias sobre os outros; c) mentiras que, suponho, reforçam as fantasias dos outros sobre mim e d) mentiras que, suponho, reforçam as fantasias dos outros sobre os outros e sobre eles mesmos. Exemplificando respectiva e sumariamente: a) como sou bondoso, não posso ter tido esse pensamento maldoso, então não tive mesmo; b) Como as pessoas são bondosas, essa pessoa não pode ter sido maldosa, então não foi mesmo; c) Como suponho que o outro me tem como bondoso, não posso demonstar que tive esse pensamento maldoso, então não tive mesmo, e d) Como suponho que o outro tem os outros por bondosos, os outros não podem ter sido maldosos, então não foram mesmo.
Desses quatro tipos de mentiras, acredito que o primeiro seja o mais trivial, tão trivial que o próprio sujeito não se reconheceria mentiroso nem sob tortura. O segundo também é parecido, tão comum que se confunde com a própria visão de mundo do sujeito, tratam-se de mentiras coletivas em que o mentiroso nunca está só. O terceiro exige um pouco mais de malícia e costuma trazer mais dividendos instantâneos, com o tempo soi gerar conflitos internos e muito provavelmente, ao final, um balanço negativo sobre a vida que se viveu.
O quarto tipo, de todos, me parece o mais complexo e também aquele sobre o qual não encontro solução na verdade. Ou melhor, a verdade não parece eficaz para contraditá-lo. Lembre-se que refiro-me aqui à "mentiras que, suponho, reforçam as fantasias dos outros sobre os outros e sobre eles mesmos". Nesse caso, enquanto o outro não quer encontrar a saída para o labirinto dos enganos, oferecer-lhe a realidade é estar disposto a ser inconveniente, desprovido de sensibilidade, delirante, insuportável e, obviamente, mentiroso.
São só apontamentos não cínicos sobre o tema.
3 comentários:
Ler seus textos me faz MUITO bem.. por alguns minutos, acredito que existem pessoas que realmente valem a pena! Obrigada Newton.. de coração! Se todos fossem um pouquinho "Newton Molon", nossa.. perfeito! =]
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