quarta-feira, 10 de março de 2010

Somos todos meio matutos


Ilustração: Jo Fevereiro

Andei pensando esses dias sobre o quanto nós, brasileiros, somos ainda matutos. Isso pode ter uma leitura otimista e romântica, como quase sempre tem mesmo, mas também pode ser visto de maneira crítica e suspicaz.
Esclareço que estou considerando "matutia" simplistamente o vínculo com a terra, com o tempo natural e com tradições ancestrais.
Todos nós conhecemos algumas plantas e suas possíveis aplicações; resmungamos por não poder dormir na hora precisa em que estamos sonados, ou comer quando sentimos fome; sabemos de alguma simpatia para parar de chover no meio do feriado. Acredito que essas coisas sejam realmente mais difícies para um cidadão de Manchester.
Fiz, imprecisamente, as contas e concluí que pelo menos um bisavô de quase todo brasileiro com mais de 20 anos veio do campo. Faça o teste. Se você ficou de fora e está lendo esse texto, ou está amaldiçoado pela família, ou está espionando para saber o que anda pensando a plebe.
Tenha em conta que cem anos atrás esse país era todo uma grande fazenda. Até os mais conectados entre nós estão geracionalmente ainda muito próximos da vida rude e rural. Mesmo com estudos em Paris, ainda se ouve questões relativas a uma velha tia do interior que resgata algo em nós.
Talvez seja exatamente isso que faz do Brasil um país jovem. Trata-se de uma juventude que tem a ver com a trajetória das nações que: são infantis quando plenamente rurais; jovens quando transitando como nós, e velhas quando plenamente urbanas e asfaltadas.
A crítica e a suspeição surgem diante da seguinte questão: essa nossa jovialidade meio matuta é essencialmente boa, mas ao invés de servir a nossa autonomia e a nossa liberdade, pode restringir-se, como não é difícil, à estagnação ou ao simples arremedo de exemplos dados.
Correndo os riscos da adesão ao eurocentrismo e da introjeção do colonizador, sou hoje capaz de entender o arrebatamento de qualquer alemão pelo "exotismo" da nossa gente. Somos cheios de ímpeto e de sonhos; sensuais e românticos; alegres, maliciosos e esperançados. Somos agora o que foram muitos povos séculos atrás. Personificamos o passado tão remoto de um sueco, que ele não é capaz de se reconhecer entre nós. Perde-se, então, fascinado e feliz em algo que lhe parece alheio e misterioso.
Oxalá saibamos amadurecer.

2 comentários:

Unknown disse...

Newton, acrescento que o caminhãozinho, como o Carlitos, também trafega sobre um caminho de chão batido.

Rosy Salles disse...
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