domingo, 14 de março de 2010

Zé dos limões


Ilustração: Jo Fevereiro

Meses atrás, saía do estacionamento de um shoping quando vi um garoto com não mais do que dez anos chorando a plenos pulmões na beira da calçada. Porque a coisa pareceu-me séria, encostei o carro e desci para ver o que é que tinha acontecido. Foi difícil fazer o Zé me contar sua dor. A cada frase, recobrava o choro com fôlego renovado, precisei dar-lhe um chaqualhão para que então me explicasse que um garoto mais velho havia lhe roubado não apenas os trocados que conseguira durante o dia, mas também os preciosos limões que sua mãe dera-lhe para vender.
Embora dramática a história, fui instantaneamente invadido por uma espécie de beatitude. Estava ao meu alcance curar a asa partida do pequeno anjo. Fizemos juntos as contas do dinheiro perdido e do quanto arrecadaria com os limões roubados. Exatamente R$ 28,00 livrariam o mini-operário das sanções do feitor que tanto o apavoravam. Com R$ 30,00 dei por encerrado o problema. Zé não foi capaz de perceber a grandiosidade do meu gesto, despediu-se de mim sem grande entusiasmo ou gratidão. Pus a falta de reconhecimento na conta das injustiças do mundo e me senti maior ainda por isso.
Ontem, quando saía do mesmo estacionamento, vi o mesmo Zé, na mesma calçada, chorando do mesmo jeito. Na hora entendi tudo. Primeiro me senti um tremendo idiota, lesado por um garotinho de dez anos; no instante seguinte achei engraçado e quase reverenciei a astúcia do Zé. Depois foi batendo uma tristeza por pensar que, seja como for, o Zé é só uma criança cuja ingenuidade foi sequestrada pela dureza da vida.
Alguma coisa dentro de mim, contudo, insiste em pensar que o pobre Zé continua vítima do mesmo malfeitor que, da outra vêz, roubou sua alegria e suas possibilidades.

2 comentários:

Rodolfo Vianna disse...

Esse texto me cheira a déjà vu...

Unknown disse...

Que merda, hein, prôfe!!! (no bom sentido)